Ninguém se sente feliz, de bom humor, bem disposto todos os dias. Faz parte da vida. Mas parece que anda em falta pessoas alegres, para além destas intercorrências diárias que atingem a todos nós.
Será que tem a ver com o tempo que vivemos? Será que tem a ver com a idade que chegamos e, portanto, com o grupo de pessoas específicas com quem mais convivemos? Será que se relaciona a mudanças com aquilo que se espera para o dia seguinte, a semana próxima, o ano que vem?
Sinto que os sorrisos gratuitos são cada vez mais difíceis de serem identificados – seja no trabalho, nas escolas, andando pelas ruas, quando se toma um Uber, quando se entra num cinema, até mesmo quando se olha mesas – em tese – com amigos dividindo uma cerveja. Isso para nem se falar do som das risadas, que parece estarem se tornando objetos de consumo limitadíssimo. Até porque acabam sendo mal vistas se sua sonoridade afetar o ambiente.
A capacidade de se apossar da alegria, para mim, continua sendo mistério. Sempre acreditei que há pessoas que já trazem consigo esse dom – terá sido fruto também de uma infância onde a valorização das situações, do convívio, do aprendizado foi diferente? Ou será algo inato? É delas que a gente muitas vezes se nutria, como que roubando um pouco desta capacidade de, apesar dos problemas e limitações, andar pelo mundo com uma perspectiva onde sempre havia algo a comemorar, a transformar o dia e as horas seguintes. Sorrindo.
Mas ando à procura dessas figuras, que até algum tempo atrás era comum se encontrar, e não sei onde foram parar.
A alegria parece ter sido substituída por uma seriedade seca, quase forçada, quando importa se dar a entender que estamos preocupados, cientes da gravidade de todo dia, conscientes das ameaças – mais do que os privilégios – que nos cercam. E quanto maior parece ser o problema que expomos, mais somos olhados com admiração, com credibilidade, com respeito. Destaco aqui um spoiler do filme “Ainda estou aqui”, que vem sendo saudado no mundo todo como uma das grandes obras deste ano. Dirigido por Valter Salles Jr, recupera a história de Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, levado pelos militares e “desaparecido” durante a ditadura. Anos depois do ocorrido – o que o filme retrata – um jornal vai fazer uma foto da família, com Eunice e seus cinco filhos ainda crianças, e o fotógrafo pede semblantes mais sérios para, talvez, reforçar o dramático da situação. Eunice não concorda e a foto que fica é de crianças sendo crianças, rindo entre si, assim como ela.
Quando foi que a alegria deixou de ser fator de admiração, de essencialidade para um ser humano que, me parece, foi trocando-a por uma forma de ver e sentir o mundo muito mais com melancolia, cansaço, decepção?
E aí sobram as crianças. Que à medida que vão crescendo parece também entrarem neste formato automático em que há cada vez menos espaço para a inconsequência, a brincadeira, até mesmo o rir um pouco de si mesma e do outro – afinal, o que não é bullying hoje em dia?
Ando a procura de atalhos que me levem a reencontrar pessoas alegre. Alguém pode me dizer por onde andam?
Beatriz Vicentini é jornalista.
Foto de capa: Dirck van Baburen – Pintor holandês (c.1595-1604)