(Antes da farsa do julgamento final no Senado)
Penso que o impeachment já está decidido. A Casa-grande mais uma vez será vitoriosa. Mas, desde o Brasil Colônia, as oligarquias foram derrotadas alguma vez? A penúria só vai aumentar na Senzala.
A desculpa já está pronta: a mídia monopolista e golpista vai inculcar no povo que os culpados são os governos populares liderados pelo petismo. Como na propaganda fascista, o slogan vai ser repetido até ser aceito como verdade.
Vivemos tempos sombrios. A divisão social, que no Brasil é um abismo a separar ricos e pobres, aguçou a contradição. É a luta de classes, sem a máscara da conciliação.
Os tempos tenebrosos estão só começando.
(Após a farsa do Senado)
O golpe de 31 de agosto de 2016 nos leva a refletir sobre a dialética histórica. Marx afirma que a luta de classes é o motor da história. Numa frase antológica, no início do “Manifesto”, ele afirma que a “história da humanidade é a da luta de classes”. Senhor versus Escravo representa, simbolicamente, este embate.
No poder, as forças de esquerda, lideradas pelo petismo, pensaram que poderiam substituir a luta de classes pela política da conciliação de classes. Acreditaram numa fantasia política: acudir às classes dominadas, sem melindrar as classes dominantes. Na prática significava inserir os pobres na sociedade de consumo, sem fazer reformas estruturais.
A ilusão funcionou até que a crise do capitalismo colocou as coisas nos seus devidos lugares. Nada como um dia após o outro para que as ilusões ideológicas virem pó. As classes dominantes, até então beneficiadas pela política econômica, passaram a reclamar os lucros exorbitantes, que sempre sugeriram. Afinal, montanhas de dinheiro público tinham irrigado o capital nacional; renúncias fiscais saciaram a sede de lucros das multinacionais, sobretudo o setor automobilístico. Como explicar ao grande capital que o dinheiro fácil acabou?
Os pobres, que haviam caído no conto de que, agora, eram classe média, também queriam explicação. Como explicar que a carruagem sempre foi uma pobre e infeliz abóbora? Enrolados para dar explicações convincentes, a turma do poder assistiu atônita ao show midiático esquadrinhando a crise. Em suma: ricos e pobres, patrões e empregados, burguês e proletário, todos tinham sido enganados.
E as madames mandaram as empregadas baterem panelas. Ruído ensurdecedor para afastar o “diabo vermelho”. E foram para a grande avenida adorar o Pato de Ouro. Artistas de qualidade duvidosa, saudosos da ditadura, fascistas convictos, pobres alienados, se confraternizaram diante do Pato de Ouro. A classe média baixíssima, de novo rebaixada, também estava lá, irmanada com a elite branca, reacionária.
Agora sim, o sonho da turma do poder se realizava, só que como comédia: o Pato de Ouro conseguia reunir todas as classes. Mas a comédia trazia um recado amargo: o inimigo está no poder. É preciso extirpá-lo. Era o começo do fim da política de conciliação de classes do petismo. A grande contradição da sociedade burguesa: capital versus trabalho se impunha mais uma vez. É a dialética da história se impondo aos devaneios daqueles que a ignoram.
Tudo voltará à velha ordem na Terra Brasilis. Terra de samba, futebol, carnaval e religião. Casa-grande e Senzala convivendo em harmonia. Madames, panelas e empregadas; cada qual no seu lugar. É a Terra Brasilis realizando seu sonho tropical: Ordem e Progresso. Luta de classes?
José Cardonha é doutor pela PUC e professor de Ciência Política.
A excelente reflexão de professor José Legal nos apresenta, de maneira breve, mas com rigor e contundência, os elementos fundamentais para interpretarmos o sentido do golpe.