Nem só das estrangeiras Jingle Bells e Silent Night ( traduzida de maneira estranha como: “Noite Feliz”) vive a música de Natal – aliás, de maneira geral, cumpre afirmar que o público brasileiro conhece pouco das músicas natalinas que foram compostas no Brasil e por brasileiros. Certamente, a mais popular delas é “Boas Festas”, de Assis Valente, ainda cantada por valentes (e temidos) intérpretes familiares nos lares país afora (quem não conhece os versos: “eu pensei que tudo mundo fosse filho de Papai Noel…”?). Composta em 1932, a música mistura tristeza e beleza, ressaltando a pobreza e a solidão (que inclusive eram vividas pelo baiano Assis Valente naquele momento, morando num quarto pobre e solitário no Rio de Janeiro) em oposição à alegria formatada e convencional do Natal dos abastados.
Papai Noel
Vê se você tem
A felicidade
Pra você me dar
(…)
Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade é brinquedo que não tem!
Após “matar” Papai Noel em “com certeza já morreu,” a letra elimina também a possibilidade de se ser feliz mesmo no natal – se encerrando com “então felicidade é brinquedo que não tem”. Se a vida imita a arte ou se a arte imita a vida, fato é que – tragicamente – ao que parece nem Papai Noel ou muito menos a felicidade chegaram ao compositor, que vinte e poucos anos depois cometeu suicídio bebendo veneno de rato com guaraná.
Se a infelicidade é o mote da canção natalina de Assis Valente, a canção folclórica “A Nossa Lapinha” – bem menos conhecida em terras sulistas e sudestinas do que a lúgubre-festiva “Boas Festas” – também não fica atrás no quesito tristeza. De caráter pastoril, cantada no nordeste brasileiro – em meados dos anos cinquenta – normalmente na última noite dos autos de natal (iniciados em 24 de dezembro e concluídos em 6 de janeiro, Dia de Reis), a música fala do fogo que destrói a lapinha do Cristo após a partida dos Reis Magos. Diz a letra:
A nossa lapinha já via se queimar
Em brasas de fogo já vai se tornar
Adeus meus senhores, já vamos partir
O dia amanhece queremos dormir.
Ou ainda:
A nossa Lapinha
Já vai se queimar
E nós pastorinhas
Já vamos chorar
Queimemos, queimemos
A nossa Lapinha
De cravos e rosas
Ó belas pastorinhas
Afastado – tal como Assis Valente – do Natal cristão, o russo naturalizado americano Irvin Berlin parecia querer reverenciar a data natalina mais como um evento “secular” – e de celebração obviamente coletiva – do que propriamente destacar em sua famosa canção o nascimento do Cristo. E, por assim ser, Berlin provavelmente – olhando para o branco do natal americano – lembrou-se também da monocromia do natal russo – branco de neve e gelo. Tristeza posta na fusão e contemplação da solidão glacial com ruas americanas, Berlin compôs aquela que seria uma das músicas natalinas mais tocadas no mundo: “White Christmas” (Natal Branco):
Eu estou sonhando com um Natal branco,
Assim como os que eu conhecia,
Onde a copa das árvores brilham e as crianças ouvem
O som dos sinos na neve
Eu estou sonhando com um Natal branco,
Com cada cartão de Natal que eu escrevo.
Que seu dia seja alegre e brilhante –
que todos os seus NATAIS sejam brancos.
Claro, se os versos finais ainda nos dão um alento de esperança – como em “que seu dia seja alegre e brilhante”, o fato de lembrarmos que Berlin era agnóstico, de família judaica e que a canção foi composta em plena Segunda Guerra Mundial – para um filme-musical – dá a ela uma melancolia e uma nostalgia que só o branco da neve e a melodia são capazes de nos fazer sentir. Reza a lenda ainda – mas aí fica a tese a ser comprovada – que em seus dias finais, numa noite de Natal, Berlin ouviu de sua cama um coral que – na rua, na porta do edifício em que morava – cantava White Christmas para ele.
Por fim – e é claro que sempre haverá um Jingle Bells para nos lembrar que nem tudo é triste – a questão é que parece haver um peso que prevalece em boa parte das canções natalinas que conhecemos, sejam elas referentes ao Natal cristão (e religioso), sejam elas convites para o Natal comercial – de Papais Noéis e neves falsas feitas de algodão (e a pergunta que fica é: por quê? Acaso choramos no Natal por que a criança que nasce e move a festa irá morrer meses depois, ali na Páscoa? Ou choramos por que, a cada ano, mais se aproxima a nossa própria imolação?). Não bastasse a Simone nos perguntando anualmente o que fizemos – o que a certos modos de visão pode gerar uma culpa danada – (“Então, é Natal! E o que você fez?”), as músicas do Natal não deixam de nos botar na alma mais sensível aquela pitada tão perigosa de depressão natalina (quem já ouviu a abertura de “O Messias,” de Handel, que o diga).
Faca no pescoço dos deprimidos, todas essas músicas, a meu ver, por mais tristes e depressivas que sejam, perdem longe para a clássica música dos Réveillons – cantada em tons melancólicos e no andamento de uma valsa “tristézima”: “adeus ano velho, feliz ano novo”. Meu Deus! Meu Deus! Coitado do ano velho – pensava eu quando criança – morreu como o Papai Noel de Assis Valente.
Alexandre Bragion é editor do Diário do Engenho.