Para os povos indígenas do Brasil, o fascismo é só um conceito branco, algo escrito em folhas, mais um nome dado à violência e injustiça que acomete diariamente a realidade desses povos no Brasil. O cacique Davi Kopenawa nos lembra que as palavras escritas no papel do branco perdem a força e significado, porque ficam quase que esquecidas depois de tanto serem lidas. Desgastam e perdem seu sentido, sua seiva.
Esse nome diferente, “fascismo,” com um único som e sentido, se escreve na realidade brasileira de diferentes formas, especialmente na história dos povos indígenas do Brasil. Como um feitiço do homem branco, faz derrubar afetos, vida, natureza, torna tudo árido e seco – e faz morrer de sede o próprio rio.
Os indígenas nos ensinam sobre resistência há mais de 500 anos nesta terra. Há séculos são refugiados dentro de seu próprio país, de seus próprios territórios. espoliados, escravizados, exterminados.
Existiam povos milenares que datavam de 12 mil anos habitando todas as regiões do Brasil, e que foram quase exterminados em menos de 200 anos após a chegada dos europeus em solo americano. Sob violenta ação dos europeus, o contato com o indígena não foi nada amigável, como os livros costumam contar. O europeus, ao desembarcarem, carregavam armas letais em punho e também contaminavam aldeias e mais aldeias com doenças trazidas além-mar. Pelos dados históricos, calcula-se que 95% da população indígena tenha sido morta pelos europeus.
Hoje, neste Brasil quente, que arde com suas matas queimadas criminosamente sob a luz da anti-lei do Estado, sob os interesses dos capitais e do mercado, que nada tem de mãos invisíveis, os povos indígenas atravessam a pandemia de COVID19 novamente com perdas incalculáveis para seus povos.
Nós, sociedade não-indígena, deveríamos cobrar e salvaguardar os povos indígenas pelo seu valor como sociedade ancestral, mas não somente. Deveríamos pagar pelo seu trabalho de reflorestamento e mantenimento da natureza, pois sem natureza não há vida humana alguma.
“Semente do futuro. Indígena guarani kaiowá” – Dourados, MS, 2016. Foto feita pela autora.
Estamos colapsando enquanto humanidade e ecossistema, a pandemia da COVID é prova viva desse colapso. Mas os únicos que parecem compreender e trabalhar, agindo efetivamente contra o abismo mortal, são os povos indígenas.
A lógica de vida indígena não obedece aos ciclos da lógica de mercado do branco. A vida indígena é regida pelas notas da natureza, porque ela compreende a natureza, tal qual os rios e as árvores. Todos estão unidos e imbricados num grande equilíbrio da vida, numa grande música, em que cada qual estabelece um tom e preenche com a harmonia. Como contra-ataque, esses povos nos ensinam sobre a vida e resistência – não pela resiliência – mas pela força da semente que nasce quando rompe o solo nos sertões do fim do mundo.
A questão indígena é uma responsabilidade da sociedade como um todo, não somente pelo âmbito de refúgio, mas porque envolve questões de sobrevivência e futuro DE TODA A humanidade. Se não acordarmos, seremos apenas o papel branco gasto, sem seiva ou sentido. Como disse o cacique Davi Kopenawa: Nós sobreviveríamos como sociedade se os povos indígenas fossem exterminados definitivamente?
“Marcada para morrer. Indígena guarani kaiowá” – Dourados, MS, 2016. Foto feita pela autora.
Maria Clara Belchior é graduada em Fotografia pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) em 2016. Mestra em Educação Sexual pela UNESP (campus Araraquara), vinculada às temáticas de gênero e mulheres indígenas nos processos de retomadas indígenas. É integrante da Rede ACAMPA Brasil.