A picaretagem e o poder – uma resenha sem cara de resenha.

A picaretagem e o poder – uma resenha sem cara de resenha.

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Prometi não revelar o nome de um amigo querido que, dia desses, me emprestou o livro Como a picaretagem conquistou o mundo: equívocos da modernidade – escrito pelo celebrado jornalista britânico Francis Wheen (autor também de uma bastante comentada biografia sobre Karl Marx) e publicado no Brasil pela editora Record, em 2007. Por outro lado, e apesar de não poder contar aqui quem teria feito a mim tal gentileza (fato que aproveito, assim, para valorizar e fazer certo mistério), estou plenamente autorizado por esse amigo a publicar os motivos que, ao longo da leitura de tal livro, fizeram estalar em meu cérebro uma boa dose de fosforescentes sinapses. Ou seja, como manda a regra da boa discrição (e como esta resenha também não tem bem a cara de uma resenha) preservarei aqui as minhas fontes – mas manterei ileso o meu direito (inalienável?) à livre opinião. Certo? Aliás, esse meu amigo jamais me pediria outra coisa – afinal, é ele de ótima índole e também me conhece bem.

Por me conhecer bem, fato é que esse meu misterioso amigo sabe de minhas desconfianças para com a grande imprensa brasileira e mundial (seja ela americana, alemã, inglesa…). Nesse sentido, vale dizer também que meu amigo igualmente conhece meu posicionamento em relação ao poder (imperial) que determina e rege o que é publicado no Brasil e no mundo. Quer dizer: meu amigo tem boa noção do quanto repudio a ação politiqueira da chamada “grande imprensa” – uma vez que ela, em sua maioria (saiba o leitor!), deve obrigações clericais a poderosos cartéis e a partidos políticos pertencentes ora a “situação” ora a “oposição” (os quais inevitavelmente pautam o que, dia a dia, deve ou não ser levado a público).

Pensando, então, especialmente na caricatural liberdade de imprensa que dizem existir no Brasil (e em parte do mundo ocidental), bons jornalistas costumam afirmar que, em nosso país, “livre não é o jornal, mas o dono do jornal” – que pode fazer acordos com os poderosos que quiser. Pois, bem! Pensando dessa maneira, vemos que a tão sonhada “imprensa livre” morre assim – por esse prisma – prematuramente estirada na mesa (no bolso ou na gaveta) de quem tem o poder sobre o que se publica ou se mostra à nação via TVs, rádios e web. Quer um exemplo banal? Então puxe pela memória e pense: quais os telejornais do país ocuparam-se em apurar a questão do aparecimento de um rato dentro de uma garrafa de um determinado refrigerante de grande sucesso internacional? Resposta rápida: apenas aqueles telejornais produzidos por emissoras que (ainda) não são patrocinadas por esse refrigerante. Oras!

PicaretagemElevado a potências bem maiores do que a polêmica acerca de um rato num refrigerante, podemos intuir sem grandes esforços que o policiamento em torno do que diz a imprensa sobre esse ou aquele “picareta” (que por motivos variados normalmente ocupa posição de destaque no cenário político nacional) deve ser também exponencialmente muito maior. Afinal, escândalos públicos às vésperas de eleições, por exemplo, podem custar muito caro a um político. Então, nada melhor do que garantir que o bom relacionamento junto a determinados canais de televisão (e também a algumas revistas de circulação nacional e a alguns jornais) possa – à custa de bons patrocínios – fazer com que seja poupada a imagem pública de certos picaretas ilustres. Em outras palavras, a chegada de qualquer picareta ao poder passa, quase sempre, pela “boa” relação desse picareta com a mídia jornalística de seu país.

Mas nem só dos beneplácitos da imprensa vivem os picaretas. Muitos chegam ao poder valendo-se da religião, de ideologias variadas, do uso da força militar, da violência física ou moral. E é desses picaretas, em especial, que dá conta o livro do jornalista Francis Wheen. Mais poderosos do que qualquer órgão de imprensa de qualquer país, mais assustadores do que qualquer politiqueiro (brasileiro, em especial) de terno e gravata, os grandes picaretas dos quais Wheen trata em seu livro mudaram, a seu modo, o curso da própria modernidade – e são excelentes exemplos de como a picaretagem pode arrastar atrás de si uma verdadeira legião de dementes. Tomando detalhadamente a chegada ao poder de figuras públicas dantescas – que vão do aiatolá Khomeini a George W. Bush – Francis Wheen, muito para além de revisitar detalhes obscuros da História nos últimos quarenta anos, parece realmente querer chamar nossa atenção para o fato de que é preciso tentar evitar a (quase inevitável) ascensão de novos picaretas.

(A nosso modo e por nossa própria conta, todavia, se pudéssemos estender o olhar de Wheen ao longo de um período bem maior do que o dos últimos quarenta anos analisados em seu livro, depararíamos certamente com uma lista bastante razoável de ilustres picaretaços! Nela, com toda certeza, incluiríamos os picaretas fardados – como os que colocaram inúmeros países sob a força de regimes ditatoriais –, os picaretas que resolveram promover “limpezas étnicas” e provocaram o genocídio de milhões de judeus e outros expatriados (como fizeram picaretas como Hitler, Franco e Mussolini), picaretas coroados que insistiram em explorar ao máximo suas colônias (como fizeram os picaretas portugueses, como Salazar, e alguns picaretas ingleses também), picaretas religiosos que incitaram o ódio entre os praticantes de diferentes religiões (não nominemos esses picaretas, alguns deles são também muito violentos e vingativos)… e tantos e tantos outros poderosos picaretas que negativamente contribuíram para a construção de tenebrosos impérios e para o desenrolar de desgraças intermináveis.).

Wheen, no entanto, prefere focar suas reflexões nos picaretas das últimas quatro décadas. Considerando já farto o material sobre a picaretagem que mudou o chamado “mundo pós-moderno,” o jornalista opta por não descer ainda mais pela espúria escada rolante de nosso passado mais distante. Assim é que o elenco de picaretas que ele nos apresenta em seu Como a picaretagem conquistou o mundo: equívocos da modernidade certamente vai parecer, aos olhos do leitor, também mais do que suficiente para se entender como a picaretagem pode ser danosa não só a um país inteiro ou a um momento histórico específico, mas sim pode interferir na evolução dos todos os seres humanos e na própria história da humanidade. Mais do que isso, o livro de Whenn nos mostra ainda como esses grandes picaretas, aliados aos picaretas que detém o poder da notícia, tornaram-se figuras emblemáticas que arrebanharam multidões de admiradores e imensos contingentes de idiotas.

Vale a pena conferir!

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Alê Bragion é editor do Diário do Engenho.

6 thoughts on “A picaretagem e o poder – uma resenha sem cara de resenha.

  1. Muito bonito, doutor editor! Quantos milhares de dólares o Diário do Engenho recebeu para não nomear o refrigerrato? 🙂 Fiquei curiosa a respeito desse livro. Valeu! Beijos!

  2. Muito bom, senhor editor.
    Vejo muitos jovens como você serem levados por toda essa picaretagem, sem leituras e pesquisas consistentes que os levem a uma tomada de posição madura, isenta de ódio e preconceito.
    Não é o seu caso. Além disso, em sua mais que resenha, sugere leitura que possa fazer seus leitores se informarem, analisarem criticamente, partirem para novas esclarecedoras leituras, e depois se posicionarem de modo seguro, bem informado e civilizado.
    O livro parece mostrar a situação preocupante que vivemos há muito. Vale mesmo a pena conferir.
    Que venham outras boas sugestões de leitura.

  3. Estimado Alexandre,

    Excelente sugestão de leitura. Pode ser um caminho para tirar o véu ideológico que sustenta a abstrata ideia de que a imprensa é livre e de que todos têm acesso à informação.

    Esteja bem!

  4. Caro Alexandre.
    Infelizmente não paramos por aí.Existem amarras para as notícias,para os colunistas.Felizmente os livros ainda permitem voos longos nos assuntos.Interessante que a picareta é usada para abrir o espaço para os alicerces das construções,a base de toda a construção.Também foi muito usada no passado para cavar riquezas em minas de mais variados minérios.

    Uma picaretagem o que fizeram com a picareta …

    Mas,é um belo livro,muito instigante.

  5. Aguçou-me a reflexão.
    Estava assistindo o jornal televisivo que noticiava um pedófilo que havia sido preso por abusar de uma criança, para convence-la a seguir com ele ofereceu doces.
    Ao ler esta resenha lembrei-me de imediato do caso acima, pois todo picareta profissional tem doce nos lábios e ganha facilmente os menos preparados ofertando a esses o desejo pleiteado, Assim alguns picaretas profissionais alcançam altos cargos eletivos, levando multidões ao erro.
    A mídia jornalistica isenta e livre é coisa do passado, hoje não se ganha dinheiro com a venda de exemplares de jornais e sim com os anúncios nele contido, o mesmo acontece com todos os meios noticiosos, desde internet, televisão até jornais e revistas, assim a mídia isenta deixa de existir simplesmente para se manter com receita sustentável, não desagradando esse ou aquele, lembrando que o maior anunciante do país é o Governo, seja federal, estadual ou municipal, desta forma o mal maior fica impune, E existem aqueles que atendem aos interesses locais ou de um determinado grupo do poder, estes são os mais perigosos meios de noticia.

    lembrei-me também do cidadão que me confessou dizer que votava em candidato tal, porque sempre que precisavam de leito hospitalar ele conseguia, difícil será acabar com a falta de leitos, senão como irá trocar favores?

    Em terra de greves sem sentido, como fazer para que o cidadão veja que as benesses de hoje se tornam o carrasco do amanhã, haja visto o nível de robotização e automação, pois um grande numero de pessoas querem e desejam o bem imediato com pouco esforço no progresso individual, e de imediato só existem os doces! e a candidatura do líder.

    a grande questão é como sair disto tudo sem grandes traumas na sociedade?!

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