A angústia é a possibilidade da liberdade. É o medo dessa possibilidade. A angústia é o puro sentimento do possível. Se houver coragem de ir mais além, se constatará que a então realidade será muito mais leve do que era a possibilidade. E o grande salto será o mais difícil, será cair nas mãos de Deus, será a coragem.
– Søren Kierkegaard – “O Conceito de Angústia.“
Contrapondo-se a todo um apelo de festa, alegria solta, de mera troca de presentes, em meio à abundância de bebida e excesso de comida, o mês de dezembro contempla múltiplas representações, demarcando, sobretudo, o fim de todo um ciclo anual. A proximidade deste período é capaz de despertar angústias e medos, mas também expectativas e anseios. Tempo fecundo para vicejar projetos, perspectivas existenciais.
O sentimento de angústia pode nascer de um olhar em retrospectiva do momento que termina e da ausência de possibilidades diante do novo ano que já se anuncia. Frustrações que podem ter se sedimentado em duras experiências de renúncia, rejeição, desencanto. Em tempos difíceis, marcado por crises e tantos desencontros, destaca-se e sobressai o agudo sentimento de que tudo pode não ter passado de tempo perdido. Perceber o tempo apenas como um passado que já não volta, mais um ano que se soma à vida, escasseando o momento da existência.
A força de tais sentimentos não pode ser simplesmente camuflada, sublimada por uma lógica de consumo fugas e por expressões superficiais de apreço e afeto. É preciso fazer um delicado balanço existencial, sem se perder em uma efusividade vazia, direcionada por interesses meramente mercadológicos. A dimensão do refletir, meditar, de um recolhimento interior, a contemporizar sobre as vivências do ano que se foi e das potencialidades contidas no devir, descortina-se como um movimento inevitável, irrenunciável, diria até imprescindível para quem deseja ir para além da banalidade, boçalidade.
Neste ponto, o tempo do Natal desvela-se como um precioso, fundamental convite para se renovar toda esperança, repensando, em perspectiva ampla, profunda, complexa as próprias escolhas e estilo de vida. O símbolo do nascimento de Deus, assumindo a condição humana, fazendo-se criança em uma manjedoura, está revestido de profundo significado, a representar e apontar o que de fato é essencial na existência. Há uma pedagogia perene, um ensinamento que nunca se esgota em todos os eventos bíblicos a comporem o relato do Natal de Jesus. Ao arrepio de toda uma dinâmica de consumo e superficialidade, é preciso finalmente compreender o Natal sempre em uma ótica bem mais profunda e existencial.
Enfrentar todas as angústias e medos, sem se apegar a respostas ou saídas fáceis, superficiais. A festa, a alegria, a felicidade de cada brinde, de cada ceia, de cada presente não podem impedir o encontro consigo mesmo, com o que há de mais humano, profundo e sagrado. O Natal recoloca, a cada ano, o tema da existência, do sentido último da vida, questionando todas as escolhas e apontando para o que deve ser essencial.
Independente de se ter fé, de ser religioso ou não, o Natal remete à encruzilhada das escolhas fundamentais. O símbolo de Deus menino, frágil, desprovido de todo poder e proteção, deitado em uma humilde manjedoura, em um ambiente pastoril, cercado por singelos animais, demarca, sobretudo, um novo tempo para a humanidade. Há uma estrela que brilha para todos os povos – a presença dos reis magos indica a universalidade do evento do Natal –, inaugurando uma nova antropologia, outra maneira de viver, de ser humano. Se o próprio Deus foi capaz de se desvencilhar de todo poder e majestade, fazendo-se frágil criança, o ser humano deve também se guiar por gestos de desprendimento e gratuidade.
A angústia sentida alcança então um novo significado, não o de conduzir a uma depressão vazia de qualquer esperança, mas a fomentar anseios e perspectivas. Uma angústia fundamental, redentora na medida em que se revela capaz de alçar para novos patamares existenciais. Permeado por uma pedagogia perene, o tempo do Natal é um contundente convite para o despertar, lançando o humano em busca, ao encontro do que de fato é essencial: o amor para com o outro, na transparência plena das relações.
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Adelino de Oliveira é filósofo, Doutor pela Universidade Católica de Braga/Portugal e pós-doutorando pela ESALQ/USP.
Bom dia!
Ao ler esse texto, aplaudi com o meu coração, é lindo e verdadeiro.
Parabéns Drº. Adelino, meu professor querido.
Feliz natal e um ano novo cheio de realizações.
Um abraço.
Prezada Cristiane,
Estimo que esteja bem! Agradeço por sua leitura e por seu afeto. Espero mesmo que o texto traduza algo sobre o profundo significado do Natal.
Um bom Natal Professor! Que despertemos nesse tempo de Natal, para novas reflexões e outras tantas descobertas.
Grande abraço,
Neriane
Querida Neriane,
É sempre bom encontrá-la neste espaço. Sou profundamente grato por seu afeto.
Sempre aprendo com suas reflexões, Professor.
Texto sempre impecável.
A busca do que pode ser a verdade que liberta, as alianças renovadas com Deus – como li nas reflexões de Natal de uma amiga -, a alegria na fé. Tempo do amor compartilhado, e bom seria se ele nos acompanhasse no novo ano, pela vida.
Obrigada, professor.
Feliz Natal!
Desejo-lhe um Feliz Natal! E que o menino Jesus possa nascer verdadeiramente em nosso corações. Parabéns pelo texto, ótima reflexão.
Obrigado por sua contribuição, graças ao Senhor, meu professor. Hoje, consigo refletir sobre assuntos que antes achava irrelevantes.
Sucesso e muita felicidade no ano novo que se anuncia,
Prezado José Roberto,
Agradeço por seu comentário e pelos bons votos. O tema do Natal é profundamente relevante, pois remete às fontes da cultura Ocidental.
Esteja bem!
Oi, Adelino,
Gostei muito do texto, ajuda bastante a refletir, obrigada.
Feliz Natal!
Carol
Querida Carol,
Estimo que esteja bem!
É bom vê-la circulando pelo espaço do Diário do Engenho. Que bom que gostou do texto.
Um beijo na pequena Sarah.
Com cordial amizade
Prezada Zilma Bandel,
Estimo que esteja bem!
É sempre bom ler seus comentários, a enriquecer em muito minha singela reflexão.
Aproveito para retribuir os bons votos de Natal.
Com cordial amizade,
Querido e eterno mestre!!!
Como sempre, palavras e reflexoes profundas e enaltecedoras!!
Tudo o que mais precisava hoje!!! Um verdadeiro afago na alma…
Um Natal recheado de amor, uniao e fe a voce e todos os seus…
Com imensa gratidao e carinho,
Katia Benoti
Prezada Katia Benoti,
Agradeço por sua interlocução. As vezes a reflexão é o que nos resta para fazer frente a uma sociedade que tende a deturpar todos os valores.
Esteja bem!
Feliz e abençoado Natal, querido professor!
Suas reflexões sempre transmitindo inúmeros aprendizados, os quais, de certa maneira já temos consciência, porem necessitamos praticar não somente no tempo de Natal, mas em todo o decorrer do ano, diria até mesmo em toda vida.
Um abraço
Com afeto
Graziela
Querida Graziela,
Estimo que esteja bem!
Agradeço pro seu comentário, que carrega o mérito de aprofundar o tema proposto.
Sinto saudade de sua presença amiga.
Olá professor Adelino, estimo que esteja bem!
Ao ler seu texto, nesta dinâmica agradável que propôs pude contudo refletir a respeito do natal, acredito que de fato esta data se torne vazia de sentimentos e votos verdadeiros. É fato que nesta ocasião buscamos ser mais singelos, buscando também nos aproximarmos daqueles que amamos, ou julgamos amar (rsrsrs). Penso porém, que de nada adianta agirmos assim apenas por 30 dias, ou menos talvez… É preciso buscar sentido nesta data tão especial e mais, buscar sentido em nossas vidas nos outros meses e dias do ano…
Agradeço pelo prazer da leitura e também pelo ato da reflexão.
Um grande abraço,
Tamiris.
Estimada Tamiris,
Que bom ler seu comentário. É muito importante saber que meu singelo texto reverbera em reflexões tão oportunas e contundentes. Obrigado pela oportunidade de partilha.
Esteja bem!