O cenário sombrio, produzido pela disseminação da pandemia de Covid-19, coloca-nos, existencialmente, diante da fragilidade e da transitoriedade da vida.O quadro geral,demarcado pela realidade iminente da doença, da falta de recursos materiais e, no limite, da própria morte, tende a gerar aflição,incertezase múltiplas angústias. Talvez pouco tem sido refletido acerca dos impactos emocionais dessa experiência tão traumática.
A Páscoa cristã tem, justamente, algo muito profundo a dizer sobre todo esse momento que as sociedades vivem hoje. A experiência de isolamento, abandono, de fracasso e de morte são dimensões também presentes na narrativa do mistério pascal. Jesus, ao se depararcom realidades limitesem sua trajetória, aponta caminhos de superação.
Em uma aproximação hermenêutica da Páscoa, torna-se possível se contemplarem lições e mensagensque avançam ao menos para três direções fundamentais, a se complementaremna formulação de uma nova concepção sobre a vida: a dimensão ética, o aspecto político e a perspectiva escatológica.
A Páscoa de Jesus traz uma proposta ética, centrada em uma existência de entrega e despojamento, amor gratuito e serviço ao próximo. Jesus apresenta uma maneira específica de comportamento, que deve orientar as relações interpessoais. A sociabilidade que nasce da Páscoa cristã é profundamente aberta, solidária e sensível à situação do outro. Desdobra-se desses conceitos um convite existencial, portanto ético. Na vivência deste difícil momento de pandemia, a visão de ética cristã revela-se na postura cotidiana de cuidado e solidariedade. Este é um caminho muito interessante, na medida em que abre um prisma de leveza e beleza às relações.
Todos os eventos que perpassam a Páscoa de Jesus trazem como perspectiva de fundo uma ousada compreensão de poder. A oposição aos vendilhões do Templo, que exploravam a religiosidade dos mais pobres; a entrada em Jerusalém,montado em um pequeno jumentinho, em um gesto de total desprendimento; as narrativas em torno da ceia pascal, particularmente a cena do lava-pés, ressaltando a nobre humildade, a fraternidade e o poder como serviço. Em todos esses acontecimentos, o aspecto político aparece na proposição de novas estruturas sociais, alicerçadas nos princípios de justiça, igualdade e direito. Na proposta pascal de Jesus, o poder somente alcança sentido secolocado como serviço ao outro, caracterizado como instrumento para a construção do bem coletivo. Este é um ponto chave, na medida em que nos provoca hoje a também buscarmos estruturas sociais que sejam capazes de dividir, incluir e cuidar da vida, universalizando direitos.
A perspectiva escatológica consiste na dimensão que acaba por conceder autoridade e critério de discernimento, tanto para o campo da ética quanto para o da política. A experiência da ressurreição representa o horizonte absoluto da transcendência. A vida não se esgota na materialidade. A morte é mera passagem. O olhar da transcendência possibilita perceber a relatividade das relações de poder e da posse dos bens materiais. A vida é o bem central, por se revelar comoinesgotável transcendência.Somente a experiência transcendental do amor deve ser universal e absoluta. No contexto da pandemia, diante da angustiante realidade de múltiplas formas de sofrimento, torna-se fundamental a ponderação acerca do sentido maior da existência.
A crise sanitária provocada pela pandemia de Covid-19 impõe grandes desafios para as sociedades. É hora de repensar as relações humanas e as estruturas sociais. Oxalá a experiência da Páscoa Cristã, vivida agora sob a evidência dos limites e fragilidades próprios da condição humana, seja inspiradora para a construção de um novo tempo, articulador de uma outra sociabilidade, demarcada, sobretudo, pelo sentimento de fraternidade e pelo apreço pela justiça, direito e liberdade.
Adelino Francisco de Oliveira é filósofo, professor no Instituto Federal campus Piracicaba e pré-candidato à prefeitura de Piracicaba pelo Partido dos Trabalhadores.
Muito boa a reflexão sobre este tempo em que vivemos de pandemia e a Páscoa cristã.
Excelente texto, prof. Adelino. Oxalá possa repercutir nesse momento difícil em que vivemos.