Mikhail Gorbachtchov, ex-presidente da Rússia e último secretário Geral do Partido Comunista da extinta União Soviética, 1991, disse que iria dar fim à Guerra Fria, pois que esta causava grandes prejuízos aos povos da Europa Oriental, notadamente aos russos, que ao invés de produzir alimentos e outros itens de consumo básico precisavam se esfalfar produzindo armas para se ombrear à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e aos Estados Unidos (que na verdade é, ou são, quase a mesma coisa).
O erro de Gorbatchov, porém, foi o de ter demonstrado suas boas intenções e de forma olímpica ter baixado a guarda, inclusive com a extinção do Pacto de Varsóvia, em 1991, sem exigir qualquer contrapartida dos antigos inimigos – como, por exemplo, exigir também a extinção da Otan.
E “deu ruim”, como diria o vulgo, porque a Otan, entendendo que tinha vencido a Guerra Fria, ensoberbecida, ao invés de se acalmar e mandar os generais pra casa vestir seus pijamas, continuou com suas atividades marciais, não só continuando a dar emprego aos generais, inclusive europeus, como a sustentar a incrível máquina de guerra norte americana, com destaque especial à indústria de armamentos – que, aliás, num primeiro momento, devem ter recebido a notícia do fim da Guerra Fria, como um soco na boca do estômago. Puxa, quem iria continuar a comprar as armas?
Como vivemos numa época em que os adversários políticos incorporam a narrativa do adverso para tergiversar invertendo a lógica do discurso, surgiram à época inúmeros filmes americanos mostrando ex-agentes da KGB, agora supostamente desempregados, trabalhando ora como seguranças de magnatas ocidentais, ora como integrantes de quadrilhas internacionais especializadas nas mais variadas atividades ilícitas.
Na verdade, esta era a situação dos agentes da CIA e outras agências de espionagem ocidentais. Quem iriam espionar e atazanar agora que a União Soviética não mais existia? Daí que as pressas foi preciso encontrar um novo inimigo perigoso, perigosíssimo (hahahaha – ou rsrsrs, na moderna onomatopeia para risos), como talibãs, iraquianos, afegãos, persas, muçulmanos em geral e outros.
Essa foi a saída estratégica da Otan para sobreviver ao golpe da extinção da URSS, com a ajuda, talvez involuntária, dos terroristas que atacaram as torres gêmeas em 2000 (aliás, daí algumas teorias conspiratórias de que aquele ataque fora patrocinado por alguns norte americanos interessados na intensificação das guerras. Será?)
De qualquer forma, o Grande Satã, como dizem os talibãs (não eu), estava solto para continuar agindo e avançando sobre povos e territórios do mundo inteiro, aplainando as veredas do capitalismo. E foi assim que os países do Leste Europeu, que eram pobres por óbvias razões, (socialistas normalmente trabalham para viver, não vivem para trabalhar, como os capitalistas), seduzidos pelo brilho do capitalismo (que sem dúvida, brilha mesmo) quiseram se integrar à União Europeia. Todavia, como contrapartida para esse ingresso no clube dos novos ricos, parece que era preciso ingressar também na OTAN. Chato né?! O ranço asqueroso da indústria da morte persistia. E persistia também o instinto atávico de ver russos como malvados.
Bem, e agora? A Otan, após a capitulação da Ucrânia (país este que tem minorias eslavas de origem russa e passado histórico em muitos pontos comuns com a Rússia), deverá integrar (absorver) também a própria Rússia?! Formidável! Não sei porque Putin está tão nervoso. Bobagem! Deveria distribuir bandeirinhas americanas ao seu exército, e ficar aguardando a chegada triunfante dos libertadores que implantarão o neoliberalismo na Rússia.
O problema é que isto já foi tentado por Boris Yeltsin na década de 90 do século passado, e deu tudo errado. Aliás parece que o desastre da experiência neoliberal na Rússia foi o que produziu o fenômeno Vladimir Putin e seu estado de bem estar social (estado de bem estar social que por sinal era tambémo objetivo de Gorbatchov).
Enfim, a anexação da Ucrânia à União das Repúblicas Capitalistas da OTAN/EUA não iria dar certo mesmo. Ao menos, não sem reação. Deus nos salve da hecatombe nuclear!
Alexandre A. Gualazzi é advogado.