A Identidade

A Identidade

Jean-Marc e Chantal (ela mais velha que ele), um casal diferente, consistente à primeira vista. Decidiram viver juntos, depois de suas respectivas desilusões (amorosas de ambos, familiares dela, profissionais dele). Realmente se amam e se amparam. Entre eles, um pacto desde o primeiro encontro: o passado de cada um deve se manter desconhecido do outro. A confiança mútua existe e o ciúme não acontece. Até que…

Assim começa o romance: “Um hotel numa pequena cidade à beira-mar na Normandia que tinham encontrado num guia por acaso.” Chantal vai primeiro, Jean-Marc no dia seguinte. Ao chegar, antes de jantar, ela guarda as malas no quarto e passeia rapidamente pelas ruas desconhecidas. Desencanta-se com o comportamento dos homens que vê passeando com suas famílias, carregando crianças. Nota que nenhum desvia o olhar para observá-la. E isso a afeta. Mais tarde, desajeitadamente, revela seu desconforto a Jean-Marc.

Na tentativa de aliviar os sentimentos de decadência (para ele ilusórios) de Chantal, Jean-Marc urde e põe em andamento um estratagema (cuja revelação, aqui, estragaria a leitura do romance). Mas o resultado não vem a ser o esperado, muito pelo contrário. O que se passa a partir de então são descobertas e desconfortos que põem em dúvida se existe, para cada um, uma identidade estável, válida para si e para os outros – se existe a possibilidade de um relacionamento amoroso “fugir às armadilhas da mata escura”, às vezes engendradas pelos próprios amantes.

O livro, que começa com uma narrativa convencional sobre o dia a dia de um casal, termina com cenas oníricas (pesadelos, na verdade), transmitindo a sensação de que entre o real e o imaginário a fronteira raramente é nítida. Não à toa a última fala de “A identidade” é de Chantal: “Vou deixar a luz acesa a noite toda. Todas as noites”.

Uma vez mais, em A identidade, Kundera se revela o mestre dos enigmas existenciais incapazes de se entenderem com palavras e gestos. E traz à tona a dor e o desespero dos desencontros e das incompreensões.

Vale notar, na edição lida, a bela capa de João Baptista da Costa Aguiar a parir de bem escolhida obra de Lasar Segall de 1929.

 

(Referência: KUNDERA, Milan, A identidade.Trad. de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca (São Paulo: Companhia das Letras, 1998, 142 p.)


Valdemir Pires é economista e escritor.

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