A (falta de) liberdade de imprensa na América do Sul.

A (falta de) liberdade de imprensa na América do Sul.

 

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Uma vez que em nosso país e nos países que nos são vizinhos dizemos viver num estado democrático e de direito, discutir a questão da liberdade de imprensa deveria ser um despropósito ou um preciosismo. Mas não o é. As pseudodemocracias – fragilmente instaladas nos países da América do Sul após décadas de cruéis batalhas contra o poder letal das ditaduras militares – ainda padecem explicitamente da falta de vergonha de alguns de seus governantes que, travestidos de democratas, impõe ditaduras veladas aos países que governam e tentam, a todo custo, calar a voz dos jornais, de jornalistas e da imprensa em geral.

Na argentina, por exemplo, o governo Kirchner trava há anos uma luta direta contra a imprensa não estatal de lá – em especial contra o grupo El Clarin, opositor declarado do governo. Mais pontualmente desde o ano passado, Cristina Kirchner controla de perto a venda, distribuição e importação do papel-jornal no país; bem como conseguiu também, na Corte argentina, a aprovação de uma lei (a chamada Lei de Mídia) que limita as concessões de rádio, televisão e internet a um mesmo grupo (como o El Clarin, por exemplo!). Tendo como argumento o fim dos “oligopólios” das empresas de comunicação, a presidente argentina vem – por meio de jogadas políticas e comerciais – calando a voz de seus opositores.

Na vizinha Venezuela, a sabotagem aos jornais impressos é similar à que ocorre na Argentina. Assim como Kirchner, o presidente Nicolás Maduro também é, na prática, o detentor do poder de compra de papel-jornal em seu país. À beira do caos, alguns dos principais periódicos venezuelanos têm estoque de papel suficiente apenas para rodarem seus exemplares somente até o início de fevereiro. Uma vez que a compra de papel-jornal é feita em dólar, e as divisas do país precisam ser autorizadas pelo presidente Maduro, a Venezuela está para se tornar um dos primeiros países da América do Sul a não mais ter jornais impressos correndo regularmente.

De outubro de 2013 para cá, mais de 10 “diários” do interior venezuelano já fecharam suas portas por conta da dificuldade de importação imposta pelo governo de Maduro. Nesse sentido, vale lembrar que, há alguns anos, o então presidente Hugo Chaves também já havia fechado um canal de televisão que fazia oposição direta a seu governo. Hoje, o caricato e atual presidente, Nicolás Maduro – que antecipou para novembro o Natal na Venezuela e disse ter conversado com o espírito de Hugo Chaves reencarnado em um passarinho (além de ter dito que já vira esse mesmo espírito na parede de um túnel em Caracas) – parece não ter ideias tão espiritualizadas quando o assunto é a liberdade de imprensa.

Na esteira da Argentina e Venezuela, também os governos do Peru, do Equador, do Paraguai e da Bolívia seguem igualmente na luta pela imposição de leis regulatórias que cerceiam a liberdade de imprensa e controlam os meios de comunicação em suas respectivas nações. E para além das leis de mídia e dos problemas com o governo, impera também na América do Sul um ataque direto ao profissional da imprensa, muitas vezes vítima de assassinatos e outros crimes quase sempre sem solução. Segundo dados do relatório anual da organização Freedom House, a América Latina enfrenta seu pior cenário no que diz respeito à liberdade de imprensa desde 1989 – com três países entre os mais impunes no que diz respeito a crimes cometidos contra jornalistas. Segundo relatório anual da Repórter sem Fronteiras, o Brasil terminou o ano de 2012 como um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas (conferir:  www.knightcenter.utexas.edu ).

Por outro lado, e felizmente na contramão dos despóticos governos vizinhos, o Brasil parece caminhar por outras vias no que tange, pelo menos, ao controle da imprensa pelo governo. Rejeitada pela presidente Dilma, a proposta de controle – tão ventilada por muitos jornais e revistas temerosos de sua ocorrência – foi, ao que parece, definitivamente engavetada pela presidente. Ao que parece também, e contrariando ou não a opinião da presidente sobre o que é publicado sobre ela, a mídia brasileira pode transitar livremente pelos temas, assuntos e opiniões que lhe sejam importantes. E é aí que, paradoxalmente, também acontece por aqui certo cerceamento da voz do jornalista. O fato é que, se não há um controle de mídia por parte do governo, por outro lado o jogo comercial que envolve grandes investimentos em publicidade nos mais variados veículos de comunicação determina, “no ninho das redações” dos jornais e telejornais, o que pode ou não ser publicado.

Quer dizer, deixando-se levar ao sabor dos bons ventos e da maré da publicidade e do acordo de cavalheiros, os “oligopólios” da imprensa brasileira (alguns muito semelhantes aos que a presidente Kirchner erroneamente combate em seu país) permitem que, obviamente, o interesse político e econômico de determinados grupos prevaleça na hora de se escolher a pauta que deve ou não se tornar pública. Conto da carochinha também por aqui, a liberdade de imprensa – mesmo que não controlada diretamente pelo governo – é muitas vezes ferida e trocada pela própria grande imprensa por vultosos cheques e pela venda de espaço publicitário – destinados a empresas que, direta ou indiretamente, quase sempre se ligam a grupos e a partidos políticos oposicionistas ou governistas.  Ou seja: por aqui não é o governo, mas o dinheiro, o que fala mais alto na hora de se preparar a pauta do dia.

Entre a cruz e a espada, parece que – todavia – no que toca a essa questão estamos ainda um pouco melhores do que nossos vizinhos hermanos. Por aqui, ainda, pode o leitor (ou mesmo o espectador), bem ou mal, escolher o que deseja ler ou assistir – podendo mudar de jornal e de canal à medida que, também bem ou mal, seu senso crítico consegue perceber o que pode ou não haver por trás das notícias veiculadas. Prevalecendo, “ainda”, a máxima atribuída a Voltaire, por aqui “ainda” parece valer – ao menos – o direito de mostrar e dizer. Mesmo que esse direito custe a perda de publicidade e de importantes recursos financeiros. Ao leitor, então, cabe escolher as empresas de comunicação e os jornais que lhe pareçam demonstrar maior credibilidade. O que, convenhamos, não é – ao menos para boa parte dos leitores brasileiros – tarefa das mais fáceis.

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