Hanna Arendt, filósofa judaico-alemã, vivenciou o massacre hediondo de seu grupo étnico na ocupação nazista. Teve a graça e a chance (dada sua condição) de, ao findar o horror da II Guerra Mundial, acompanhar o julgamento dos oficiais e soldados a serviço do exército alemão. Acompanhando o julgamento de Karl Adolf Eichmann, responsável por ocupar funções na Seção de Assuntos Judaicos do Departamento de Segurança de Berlim, ela escreveu um livro e cunhou o conceito de “banalidade do mal”.
Percebeu a filósofa, que, assim como Karl, um a um dos oficiais e soldados a serviço do regime nazista contestavam o veredicto de culpado por racionalizarem terem estado cumprindo ordens ao expulsar os descendentes de judeus de suas moradias e matá-los aos milhares em câmara de gás; já que era a lei vigente naquele período. Também Arendt observou que, na maioria dos casos, esses militares eram cidadãos respeitáveis na sociedade alemã, compondo famílias tradicionais, cuidando dos filhos e de seus animais de estimação com dedicação e que, apesar disso, em nenhum momento refletiram e questionaram sobre a ética de suas funções, já que todos ao redor faziam a mesma coisa, ou seja, apoiavam os ideais nazistas.
Durante o regime que pôs fim a mais de cinco milhões de judeus, a mídia alemã era controlada e posta sob a chancela do hábil orador Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda responsável pela criação do mito “füher” e criador das publicidades antissemitas que circulavam na Alemanha da época. Seus filmes glorificavam os feitos de Adolf Hitler a “favor” da nação e, como se aclarou depois, foi o pioneiro na massificação de “fake news” que destilavam o ódio, o preconceito, a xenofobia, o patriotismo e a supremacia da raça ariana sobre as demais. Sua frase célebre é: “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.
Hoje, por incrível que possa parecer, vemos em solo nacional o fenômeno da mitificação e das “fake news” se alardearem ao ponto da real possibilidade de reeleição de um regime de direita extremista, defensor do discurso machista, elitista, homofóbico, anticientífico e usurpador de direitos, que coloca em risco a democracia ao invalidar as funções das instituições legalmente estabelecidas. Regime este que se firma na pessoa de um ser abjeto, que acha normal “comer” e destratar mulheres, comer literalmente “índio” (fora do contexto da cultura indígena), que defende mortes e a ditadura entre muitas outras coisas graves e que desonra diariamente o cargo que ocupa com bestiais falas, com falta de decoro e acusações a torto e a direito a quem quer que ouse questionar o seu governo. Flerta e faz acordos escusos com religiosos, usa e abusa da fachada de defesa dos costumes da família brasileira, mas na verdade, espalha o caos dos preconceitos, da fome, da violência, da contenda. Implicado em inúmeras e sérias irregularidades, cria um clima nebuloso em seu governo e institui sigilo de cem anos sobre informações que possam envolvê-lo. Usa a máquina pública para favorecer sua reeleição com o Auxílio Brasil, antiga Bolsa Família que tanto criticou.
Mas tudo isso não é o mais inquietante. Como em Auschwitz, a fumaça densa que subia todos os dias das chaminés com cheiro de carne queimada foi ignorada pelo povo alemão, assim é no Brasil, que mesmo diante do violento arrocho nos bolsos, a desmoralização perante a organismos internacionais e as explosões de escândalos pirotécnicos desse governo na cara do povo, eleva-se das sombras milhares que se orgulham em dizer-se bolsonaristas. A única conclusão é: os pensamentos de Hanna Arendt estão muito atuais e verossímeis! Uma verdadeira banalização do mal. A História dirá as consequências que nos sobrevirão caso o povo não acorde desse transe e as urnas o confirmem.
Márcia Scarpari De Giacomo – Mestre em Educação.
Excelente. Estamos vivendo tempos horríveis onde o medo instaurado muitas vezes nos faz calar. Esse é do o perigo. Parabéns.