Nós estamos perdendo a nossa capacidade de pensar, imaginar e sentir. Não somos mais capazes de pensar, imaginar e sentir o outro na nossa existência. A capacidade de pensar, imaginar e sentir se constitui pelo processo dialógico horizontal que passa e perpassa pelas instituições comunitárias, societárias e estatais e pelo diálogo consigo mesmo e com outro no processo utópico de uma sociedade mais decente para todos (não podemos deixar de pensar, imaginar e sentir conjuntamente).
Não fazemos mais o exercício de nos colocarmos na posição do outro e nos compreender, imaginar e perceber na condição humana do outro, pois fomos doutrinados por uma avalanche de falácias descaradas, mentiras organizadas e deliberadas no espaço da vida política e pública nas diversas esferas da vida humana. Sobre esse assunto vale a pena ler o ensaio da Hannah Arendt: “A mentira na política: considerações sobre os Documentos do Pentágono”.
Deixamos de olhar para o outro do ponto de vista da fraternidade universal concreta, afetiva e efetiva da nossa humanidade. Essa ausência de humanidade está marcada pela ausência da inteligência esclarecedora (iluminista), humanista e ética que viabilizam sentidos e as configurações de uma convivência melhor para todos e não somente para alguns (Markus Gabriel).
A falta do exercício da inteligência pode ser pensado, imaginado e sentido ao visualizarmos alguns traços fotográficos e vínculos que nos desvelam (alguns aspectos somente e não a sua complexa totalidade) os desmontes das universidades públicas (que ainda não se sustentam por sua autonomia _ vejamos as posições dos reitores e reitoras das universidades públicas rezando a cartilha dos seus governantes e seus parcos financiamentos em humanidades, ciências e tecnologias[1]) e as privadas confessionais (que foram mercantilizadas pelos gestores medíocres que destruíram o sentido da universidade no processo da vida social estratégico brasileiro, em nome do lucro e da desqualificação do ensino e da precarização dos seus docentes com suas “aula invertidas”, “inovadoras de araque” e melada de ideologia do falso protagonismo dos discentes universitários, desprovidos de referenciais teóricos estruturais e sistemáticos elaborados pelo conhecimento fundamentado e crítico nas humanidades, no pensamento científico-tecnológico e ético).
A burrice governou as universidades e os centros universitários com os seus vigários e pastores neoliberais, que se sujaram nas lamas da manipulação da idolatria do mercado,[2] que se afundaram nos falsos deuses do “capital abutre” do corpo-cadáver em decomposição do capitalismo, que sobrevivem da carcaça em putrefação. Contrários ao Evangelho e assumindo uma impostura de práticas nada evangélicas, os reitores e gestores das universidades confessionais corroeram o caráter dos seus “colaboradores” “capitães do mato” no trato dos seus supostos subordinados, que se calaram para não perderem o emprego. Sem falar do apoio ao senhor da morte e das armas em punho, um suposto capital de guerrilha de milícias.
A ausência de uma educação para o pensar, imaginar e sentir criticamente e de forma inteligente nos conduziu ao processo de doutrinação sem “eira e nem beira”, como se diz no ditado popular, e nos conduz a “banalidade da vida”, que parece ter perdido o fio da meada da vida, com a pandemia e seus governantes idiotizados que nos governam em nome do caos organizado da mentira deliberada, das falcatruas dos orçamentos secretos e do esgarçamento e acirramento social entre as pessoas e com as pessoas, por meio do ódio, da violência e dos assassinatos de lideranças sociais, que lutam por um mundo melhor e mais digno para todos, como na floresta amazônica defendendo aos povos indígenas contra os abutres da pesca predatória e garimpeiros ilegais.
Qual é o projeto de Estado, sociedade e comunidade desses senhores no Poder em nossas cidades, estados e país? As nossas cidades, os nossos estados e o nosso país tremem e gemem pela incompetência dos seus gestores (é assim que eles gostam de ser chamados, dado o jargão neoliberal do seu próprio gosto ou mau gosto) que mal conhecem as cidades, o seu estado, o seu país e os seus cidadãos e cidadãs.
A miséria grita em cada esquina e avenida das nossas cidades, estados da federação e na própria federação com o aumento dos seus pedintes que amargam a fome, a tristeza e a angústia do desemprego, da desigualdade e outros fatores que nos assolam pelo terror e horror dos que nos governam. Os falsos gritos e urros de “louvores” dos pastores empreendedores, inovadores, cocheiros (coachman) e midiáticos, que ajudaram a eleger os terroristas da república e da democracia brasileira, poderiam ajudar o “gestores das cidades” a encontrar uma saída para aqueles que passam fome e estão desempregados numa sociedade que sobrevaloriza o trabalho, o emprego e a meritocracia da sociedade desigual e de mentalidade escravocrata, sem cair na ladainha de uma mão lavando a outra (ou melhor sujando a outra) com dinheiro público do contribuinte brasileiro e beneficiando a si próprio e os próprios da mesma confissão religiosa em cargos de confiança no setor público estatal.
Pensar numa determinada tradição do pensamento filosófico[3] é pesar, medir e calcular. Pensar neste sentido é colocar na balança, examinar, julgar e deliberar a partir dos contrapontos, contradições e determinações postas na balança da vida de forma clara e objetiva. Numa outra perspectiva, pensar é interromper os absurdos que atravessam de forma acrobática as sínteses da vida com um montante significativo de falsas declarações rasteiras e sem os devidos embasamentos analíticos da existência, dos fatos e dos números. Pensar é diferenciar e clarear o sentido da realidade que partilhamos e compartilhamos conosco mesmo e com outros como possibilidade de autodeterminação e autodefinição.
Sendo assim, devemos nos educar para a imaginação. A imaginação nos ajuda a ajuizar os acontecimentos do mundo sem preconceito e tendências. A imaginação é um exercício que nos coloca numa certa distância para vermos, ouvirmos (sentir com a sabedoria que conduz à vida digna e examinada), percebermos, entendermos e compreendermos o mundo da nossas vidas, como uma bússola que nos orienta nas nossas relações dialógicas a configuração de uma vida e um mundo melhor, contrário ao espectro de barbárie, doutrinação e violência, que se instaurou em nossa sociedade.
Como argumenta Hannah Arendt ao falar da imaginação na perspectiva de Kant: “A imaginação (…) é a faculdade de tornar presente o que está ausente, a faculdade da re-presentação: Imaginação é a faculdade de representar na intuição um objeto que está ausente” (ARENDT, Hannah. Da Imaginação. In. Lições sobre filosofia política de Kant, 1993, p. 101). Seguindo os argumentos da Hannah Arendt sobre as “Notas do seminário sobre a faculdade da imaginação, ministrada na New School for Social Research de 1970”, podemos constar que a imaginação é a condição fundante da memória, ou seja “a faculdade de tornar presente o passado”, da “faculdade da previsão, que torna presente o futuro” Aqui podemos, vislumbrar uma educação para a imaginação, que tem um papel preponderante para o entendimento (esquemas, formas e estruturas) que nos orienta na capacidade cognitiva para identificar, reconhecer e tornar comunicáveis os objetos, as coisas, os acontecimentos e a realidade.
Enfim, finalizamos o nosso texto com a proposta sobre uma sociedade que precisa aprender a pensar, a imaginar e a sentir de modo inteligente, com a exposição sobre a educação para o sentir. A educação para o sentir é a possibilidade que nos capacita para o entendimento do belo e do prazer que nos proporciona uma sensibilidade intelectual (experiência do intelecto do conhecimento) na intuição reflexiva ou do gosto como possibilidade de realizar diferenciações (identificações) mediante o aprendizado daquilo que nos orienta para o “bom gosto” no “mundo da vida”, (Cf. KANT, Immanuel. Antropologia de um ponto de vista pragmático, 2006, 137).
Deste modo, pleiteamos uma educação popular para o povo/cidadão brasileiro e cidadã brasileira para o pensar, o imaginar e o sentir que apreende no movimento do tempo histórico da vida com a ciência e arte do espírito universitário dos intelectuais comprometidos com a liberdade, a soberania e a inteligência atuante do “alcance comum do espírito humano de uma educação pública” (DIDEROT, Denis. Plano de uma universidade, 1775), que busca constantemente as razões, as luzes, as virtudes, o belo, o bem (os homens de bem com as luzes do esclarecimento e da justiça _ pois só é possível ser homem de bem, sendo justo e digno de uma sociedade melhor para todos, indistintamente), e a justiça contra toda forma de barbárie e ausência de inteligência na vida brasileira.
Daner Honrich. Doutorado, Mestrado e Licenciatura em Filosofia – PUC-SP.
Bibiografia
[1] Como não podemos desenvolver o assunto neste pequeno texto indico as análises do Roberto Romano (1946 – 2021) sobre o assunto das universidades: https://www.scielo.br/j/icse/a/KqWxsTQvwfrjnxR4cX3YH4H/?lang=pt. Acesso em 12 de junho de 2022. https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/591757-boa-gestao-universitaria-desligada-do-espirito-academico-gera-apenas-burocracia-e-repressao-intelectual-entrevista-especial-com-roberto-romano. Acesso em 12 de julho de 2022. https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/roberto-romano/brasil-o-assassinato-do-espirito-0. Acesso em 12 de julho de 2022.
[2]https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/591757-boa-gestao-universitaria-desligada-do-espirito-academico-gera-apenas-burocracia-e-repressao-intelectual-entrevista-especial-com-roberto-romano. Acesso em 12 de julho de 2022.
[3] Como argumentou Roberto Romano “pensar vem do ato de pesar. Quem não pesa vocábulos, conceitos, métodos, tomba na charlatanice e na violência. O pensamento universitário é crítico ou reunião de certezas a soldo de poderes obscurantistas na tarefa de semear a morte” In. https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/roberto-romano/scientia-vinces. acesso em 13 de julho de 2022.