Outro dia a querida amiga Zilma Bandel, personalidade muita amada em Piracicaba, com sabedoria e empatia, ensinava-me, via troca de mensagens, sobre a importância de se optar por uma vida mais leve, sem aquele desgaste de relações tão pesadas e difíceis. É mesmo possível fazer a escolha por uma vida tomada pela dimensão da leveza?Às vezes as relações humanas e as tarefas do cotidiano podem assumir dinâmicas tão exigentes, exaustivas e até insuportáveis. Como passar a perceber e valorizar as coisas mais simples, singelas da vida?
Esse é um tema que não deixa de me perseguir existencialmente. Na juventude, a leitura da Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera, foi profundamente marcante. Mas não tenho muita certeza se aprendi realmente a escolher o que é mais leve, a considerar o que pode ser percebido como positivo. Em tempos tão sombrios, com conjunturas tão desfavoráveis e adversas, um debate assim pode até assumir a conotação de puro diletantismo. Falar sobre a leveza em um cenário tão pesado, no qual os discursos de ódio ainda são fartamente reproduzidos e gozam de muitos adeptos, pode parecer um debate um tanto extemporâneo.
Por outro lado, é justamente nesse marco temporal tão adverso que falar sobre as possibilidades da leveza se faz mais urgente e até necessário. Antes de avançar nesse tema, torna-se importante frisar que o debate aqui instalado não guarda nenhuma perspectiva de autoajuda ou de coaching, longe disso. A leveza que se advoga nesse breve texto não é uma mera questão de pensamento positivo como atitude redentora para todos os problemas. Vislumbra-se alcançar a leveza como uma determinada postura que se revela capaz decontemplar a vida e suas possibilidades, apesar de todas as mazelas e misérias.
Isso significa que para ser leve, valorizando o que há de mais singelo e singular na vida não é necessário ser alienado e indiferente à brutal realidade. Ao contrário, a leveza pressupõe consciência, sensibilidade, empatia, ética e o mais profundo senso de fraternidade e amizade. Para ser leve é preciso sentir a vida em toda sua intensidade, aceitando seus limites e elaborando as frustrações e derrotas. A vida sempre acontece, apesar de um contexto tão desalentador.
Interessante que só fazem a autêntica luta política, em defesa dos direitos de cidadania, apenas aqueles que amam profundamente a vida e se revelam capazes de abdicar das disputas vazias por poder e dinheiro. A leveza desdobra-se desse sentimento irresistível que se revela como vontade de viver. É o mais intenso amor à vida que direciona para a luta política por justiça e liberdade. A leveza de uma militância política ou mesmo de uma prática profissional marcadas pela transparência, totalmente livre de assédios e de jogos de poder.
A corrupção, a divulgação de fake news, a ganância mais desleal e desmedida, o apego por dinheiro e poder, a utilização do ódio como estratégia política, o desvio de caráter são dimensões próprias de uma vida extremamente pesada – incapaz de perceber o que há de mais belo, verdadeiro e realmente interessante na vida. Desenvolver a capacidade crítica de optar por uma vida leve, compondo relações gratuitas, livres de qualquer interesse escuso. Não há nada mais leve do que uma vida, uma trajetória existencial marcada por uma atuação política ética, comprometida unicamente com a causa da justiça e da liberdade. Isso pode ser inspirador!
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal, campus Piracicaba.
Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.
Para mim o que mais contribui para uma vida com leveza são as nossas atitudes e ações em prol do outro e do coletivo,de forma geral.