Em tempos catastróficos como os que vivemos atualmente no Brasil, não é de se admirar que em diversas áreas da sociedade esta catástrofe se mostre. Enquanto temos no poder o mais perigoso e destrutivo presidente da história do país, observamos que alguns dos maiores ídolos do povo seguem linha semelhante em termos de caráter e conduta.
Em meio ao caos da tentativa de desconstrução social e cultural da nação por parte do governo vigente, o futebol – alienador circo para alguns e mera válvula de escape para outros – permanece gerando mais notícias mundo afora do que a maioria dos assuntos. Neymar, um dos melhores e mais populares jogadores do planeta, ao longo da última década em que vem sendo praticamente cultuado como uma espécie de “neo-deus pop” já mostrou ser o ídolo que o povo que elegeu Bolsonaro merece. Não bastasse o “muito suspeito” histórico do jogador e de seu pai-empresário com relação aos impostos que deveriam pagar sobre sua descabidamente enorme fortuna, o “ícone” de 27 anos está sendo agora acusado de estupro e agressão física.
Não é objetivo deste editorial se aprofundar sobre este episódio em si, e nem tentaremos advogar por algum dos lados envolvidos. Deixamos apenas registrado nosso total apoio a qualquer mulher vítima de agressão ou abuso. Esperamos que se for provado que Neymar cometeu o crime alegado, a famosa impunidade brasileira aos ricos não vença mais uma vez.
Nossa intenção aqui é trazer ao leitor uma reflexão sobre o grave problema da imagem do ídolo no Brasil. A realidade é que no momento em que grande parte do povo brasileiro elege um homem como Neymar seu herói, evidencia-se o nível intelectual e moral desta parte que o faz. Ora, não se deve culpar o esporte, argumentando que seus ídolos não possuem responsabilidade social ou algo assim, afinal o esporte já trouxe ao mundo grandes personagens que de fato mereciam a admiração de fãs. No Brasil, é inevitável lembrarmos do jogador Sócrates, um homem inteligente, idealista, corajoso e que nunca se esquivou daquelas que considerava suas obrigações enquanto cidadão e ser humano. Liderou aquele que foi possivelmente um dos mais belos movimentos esportivos da história do país, a Democracia Corinthiana; marchou ao lado de outros ativistas pelas Diretas Já; e ainda encontrou tempo para formar-se médico. Este sim pode ser um exemplo às massas de uma nação.
Se compararmos o Brasil com outro país que também sofre com o pior presidente de sua história, os Estados Unidos, a situação se torna ainda mais embaraçosa. Sim, eles têm atletas como Colin Kaepernick (futebol americano) e Lebron James (basquete), que tornaram-se símbolos do ativismo social, inspirando milhões de pessoas pelo país com suas ações e declarações contra a opressão social e o racismo alavancados por Donald Trump.
Enquanto isso, em terras tupiniquins, Neymar escancarou diversas vezes sua proximidade com Bolsonaro, deixando muito claro de que lado está. Seu pai, por sua vez, não perdeu tempo em solicitar um encontro com o presidente e com o ministro Paulo Guedes, para, segundo o Ministério, “tratar de processo na Receita Federal”.
Diante da importância que a indústria do esporte possui no planeta, é fundamental que seus protagonistas, que têm suas vidas e carreiras acompanhadas diariamente por bilhões de pessoas, tragam positividades às sociedades, utilizando sua imensa influência para colocarem-se como representantes do que é justo e correto. Ao contrário disso, Neymar, nos causa a cada dia mais vergonha e descredo nos ídolos nacionais dos sombrios dias de hoje.
Assim, nós, que lutamos pela Democracia e pelos Direitos Humanos, desejamos poder ver vestindo a camisa canarinho pessoas que ajudem o Brasil a caminhar em frente no processo civilizatório e não que sejam mais tijolos na construção da barbárie. De punho cerrado e ao céu, registramos nosso apelo: mais Sócrates e menos Neymares!