Olho pra cidade e vejo todas aquelas luzinhas nas janelas, amareladas, algumas azuis da televisão (as TVs novas também têm luz azul?), de vez em quando, um vulto passa de um lado a outro.
Tem gente lá dentro da luz!
Tem gente dentro dos cubículos a que chamamos de casa, mas que são apartamentos, pequenos espaços levantados ao céu para fazer caber mais gente onde não cabe mais gente.
Tem cubículos grandes, é verdade. Apartamentos de 120, 140 metros quadrados, com varanga gourmet e tudo mais. Mas são cubículos. É gente apinhada em cima de gente. E tem as casas também. Maiores, mais espaço, mas tudo ali, fechado no terreno de 200, 300, até 400 metros (sim, eu sei que tem maiores, mas não são a maioria). Tudo muito bem murado, fechado, gradeado e vigiado.
Cadê o espaço, a liberdade? Onde as pessoas vivem? Dentro de cubos?
Depois reclamam que as pessoas são quadradas, que tudo é igual, tudo a mesma coisa, não há inovação. Mas onde está o diferente se vivemos no igual?
Me diga, a terra é quadrada? Há uma linha reta, uma sequer realmente reta no nosso corpo? A mão é reta? A bunda é retangular? O beijo é cúbico?
Então, por que raios nos metemos nesta quadratura, neste encaixe de tudo, de moradias, de carros, de estilos, de sonhos, de vida?
Vamos arredondar a vida, ou melhor, deformar. Fazer do que é certeza (!) uma grande dúvida (?). A interrogação pode ser mais elegante, mas é a exclamação que nos instiga.
Dizem os marqueteiros e publicitários para pensarmos fora da caixa. É pouco! Não dá pra pensar fora se vivemos dentro.
Saia da caixa. Quem vive em caixa é sapato. E somos pés, nem sempre no chão, às vezes também no ar.
Está lançado agora o movimento Desencaixe-se, por um mundo mais disforme.
Wandeley Garcia é jornalista e professor do curso de jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba.
(Arte:”PORÃO” – quadro de Shidon Soares).