Repelente de onça estressada – por Carla Ceres

Repelente de onça estressada – por Carla Ceres

Onço

Em Piracicaba, lugar onde os peixes param à sombra das pontes, pra se abanar, estava fazendo uns 37 graus centórridos. Era dezembro, época em que os cardumes transpiram tanto que elevam as águas do rio, causando inundações na rua do Porto. O que fazer? Uns jesuítas civilizaram meus tataravós e convenceram a tribo familiar a andar vestida além da conta. Não bastava um leque de penas de arara amarrado à cintura, meu Santo Inácio?

Prestes a entrar em ebulição, tomei um avião pra Manaus. O plano era voltar às origens: pegar um táxi direto do aeroporto pra selva, jogar a roupa longe e só voltar pra casa quando o clima recuperasse o juízo.

Não foi preciso tanto. Manaus estava menos quente do que Pira, lugar onde os peixes param pra tomar garapa com gelo. De bermuda, camiseta e protetor solar, meu marido e eu batemos perna pela cidade. Nem usamos repelente de insetos. Mesmo dentro da floresta, nenhum mosquito se interessou por nós. Preferiram o sangue dos turistas estrangeiros, ao qual estão habituados. O que fez falta, num momento crucial, foi um repelente de onça estressada.

Bem, na verdade, o protagonista da cena cômica foi um “onço” negro brilhante, estressadíssimo pelas bombas do último dia de 2013. O felino aflito vive em Manaus, num enorme onçário muito bem-cuidado, dentro do zoológico do CIGS – Centro de Instrução de Guerra na Selva. Calma, defensores dos animais! Os bichos desse zoo são levados pra lá pelo próprio Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – que os salva de caçadores. Felinos, aves, jacarés e todos os animais que vimos recebem tratamento cinco estrelas e só continuam presos se não tiverem condições de voltar pra selva.

O onçário, além de vegetação e área coberta, tem até um riozinho no meio, onde as onças podem beber água e tomar banho. Com tanto espaço pra brincar e correr, nosso gatão luzidio se limitava a andar em linha reta, de um lado pro outro, num percurso de míseros quatro metros! Da passarela elevada que atravessa o recinto, nós fotografávamos, falávamos com ele, mas nada alterava esse comportamento estranho. Foi aí que reparamos nas bombas estourando. Piracicaba, lugar onde os peixes param pra botar algodão no ouvido, é terra de gente fogueteira, que gosta de explodir dinheiro. Se o onço fosse piracicabano, já teria cometido suicídio ou roubado o algodão dos peixes. Acontece que ele era manauara e aquelas poucas bombas (pros nossos padrões) abalavam seus nervos.

Quando terminamos de ver o zoo, rodeamos o onçário e percebemos que o Gif Animado, apelido que demos ao onço, estava junto da grade. Corremos até ele, nos debruçamos sobre o corrimão e ficamos bem pertinho pra bater papo. Na maior desfaçatez, ele virou o traseiro pra nós e disparou um amplo jato de urina, como os gatos fazem para demarcar território. Que banho!!! Terminamos o ano às gargalhadas, Muita gente já foi comida por onça, mas, talvez, só nós tenhamos tomado um banho de descarrego à base de xixi de onço negro.

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carlicatura Carla Ceres

 

 

 

 

 

Carla Ceres é escritora.

20 thoughts on “Repelente de onça estressada – por Carla Ceres

    1. Obrigada, José Frid! Os peixes de Pira também agradecem. 🙂 O onço que você conheceu deve ser esse ou o filho dele, que se chama Garoto e se comporta melhor que o pai. Abraço!

  1. Olá Carla, e que tudo esteja bem!

    Você sempre tão intensa nos teus escritos, e como sempre eu a parabenizo por mais este!
    Gostei demais do “Gif Animado”, mas, com este calor tomar um banho quente, e nem medicinal foi!
    E também não foram nem avisados. Somente você com este teu imenso senso de humor, e conhecimento desta arte de escrever para sempre nos oferecer uma bela crônica em todas as visitas que cá eu venho, e eu agradeço, obrigado!

    E grato eu desejo que seja sempre tão intenso e feliz este teu viver, e que neste novo período continuemos a compartilhar muitas amizades e pensamentos, um grande abraço e, até mais!

  2. Jesus Cristinho… Eu é que jamais teria me debruçado bem pertinho do “Gif Animado”e, ainda por cima tomar “um acidental chá de onço” … Corajosos, você e seu marido… Acho que é uma excelente ideia de repelente, ou de afrodisíaco… Lucro na certa… E, detalhe: organicamente sustentável!!
    Beijos!

  3. oi Carlinha,

    adoro onças,
    mas que noooojo…
    só mesmo você com seu senso de humor …
    minha cachorrinha também não suporta barulhos,
    se o céu escurece,
    e troveja nas Ilhas Maldivas,
    ela já se esconde embaixo da mesa…

    beijinhos

  4. Hahahahahahahahahahahaha #RiAlto
    Carla, eu já estava esperando notícias de viagem, estava sentindo sua falta, tanto no blog quanto no FB!
    Manaus, hen? Ainda não conheço… mas vou me lembrar de, quando for visitar o onçário, não chegar perto do gif animado!!! hahahahahahahahahahahahaha #NãoParoDeRir

    1. É pra rir mesmo, Bel. Nem o soldado que nós encontramos depois conseguiu segurar o riso quando nós chegamos gargalhando perto dele e perguntamos: “Por favor, onde tem uma torneira pra gente se lavar? O onço fez xixi na gente”. 😀 Beijos!

  5. Bom dia, Carla
    Não pude deixar de dar umas boas gargalhadas com esse banho de xixi :))))))))))))
    Todo o texto me fez sorrir, com esse humor tão especial que você consegue imprimir quando o assunto o permite.
    Uma verdadeira delícia de texto. Parabéns!
    Beijinhos

  6. Olá, Carla! Eita, “onço” danado, hein! Ótima, sua crônica. Ela me fez lembrar de uma visita ao zoológico de Goiânia, há um tempão… Menina, você acredita que o macaco fez cocô na mão e atirou aquilo contra minha sobrinha? Foi muito engraçado e nojento.
    Ai, ai! Esses bichos nos colocam em cada situação, né?
    Um abraço!

    1. Macacos costumam fazer isso quando estão estressados, Regina. Bugios, em especial. Fiquei com pena da sua sobrinha. Crianças não conseguem ver o lado engraçado dessas histórias. Beijos!

      1. Eu também não consigo ver o lado engraçado QUANDO É EM MIM!!!
        Domingo, antes do passeio de lancha, um passarinho me carimbou!!! Eu gritei, morrendo de nojo daquela coisa quente na minha mão. (Pelo menos não foi no cabelo!). Um amigo tinha lencinhos umedecidos e me salvou. Depois fiz fotos lindas de aves, mas não perdoei aquele passarinho ~cagão~.
        😉

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