O teatro de JM Ferreira.

O teatro de JM Ferreira.

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Ele era magro, de cabelos lisos e cavanhaque. JM Ferreira foi dessas
pessoas que passaram pela vida como o vento, deixando sua marca por onde passava. Foi jornalista, teatrólogo e professor com doutorado na Escócia. Conheci-o quando iniciei meus primeiros passos na comunicação. Nessa época eu trabalhava no jornal “O Diário”. O Zé, como carinhosamente o chamavam, já era um nome de respeito em Piracicaba na área cultural. Foi um gênio em sua época e moveu as energias da arte na cidade a ponto de fazê-la respirar arte todo tempo. Escreveu nos jornais sobre cinema,  teatro, artes plásticas e literatura. Escreveu texto para profissionais de teatro e cinema da capital, e era respeitado por isso. Porém, foi aqui o ninho que ele escolheu para mostrar e viver seu talento.

Eu o conheci por obra da providência divina. Daí, resolvemos unir nossos grupos de teatro. Eu dirigia um grupo de estudantes e ele já trabalhava com um grupo mais maduro nas artes cênicas. Estava preparando, para o deleite dos  piracicabanos, a tragédia grega “Agamenon”, de Ésquilo, e trouxe para Piracicaba profissionais de talento para auxiliá-lo, como Milton Carneiro  (do internacionalmente conhecido Ballet Stagium), a professora Bete Marchiori (do Rio de Janeiro), e o figurista Dieter Durgel  (da revista “Vogue” francesa). O espetáculo foi apresentado no antigo salão nobre da UNIMEP e foi elogiado pela crítica paulistana (sendo apontado como espetáculo digno de ser apresentado nos melhores teatros da capital bandeirante).

JM Ferreira dirigiu e escreveu ainda um texto que foi musicado e transformado em ópera pela genialidade do Maestro Ernst Malhe, da escola de música de Piracicaba: a ópera “A Moreninha”. O espetáculo passou e eu continuei a beber de sua sabedoria e orientação em cinema, teatro, literatura; e aprendi a olhar as obras dos grandes mestres das artes plásticas. Nas tardes caipiracicabanas, eu o visitava em sua residência (que me lembrava muito algumas residências da Inglaterra). Eu, ele e sua mãe (dona Maria de Lourdes, que eu jurava ser reencarnação de Agatha Christi) tomávamos chá com torradas e conversávamos sobre arte. Seu último trabalho escrito foi a peça “As três mulheres do Sabonete Araxá”, que  ainda continua inédita.

Foi um tempo, foi uma escola de vida, foi um encontro que a vida me proporcionou com um ser iluminado, que com sua energia transformou a vida de muitos seres e da cidade, e distribuiu energia a quem conviveu com ele e já mais o esquecerá. Acredito, como os sufis, que sua Baraka estará sempre presente. Hoje, voltou em forma de memória e ela jamais pode ser apagada, pois quando um memorialista se vai outro o substitui para invocá-la. Esta é a corrente dos grandes mestres que por aí estão presentes.

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João Carlos Teixeira Gonçalves é professor da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

One thought on “O teatro de JM Ferreira.

  1. Caro Professor.
    Feliz com o José Maria no resgate de sua memória.
    Conheci o José Maria em São Paulo, no meu curso de Biologia na USP. Já formado em Rio Claro, foi cursar algumas matérias do Departamento de Genética, em que fiz minhas primeiras pesquisas e estudos nessa área, na iniciação científica e depois na pós-graduação. Dois colegas de turma que haviam conhecido o Zé no curso em Rio Claro nos apresentaram. Nossa amizade começou aí. Ele foi sempre uma das minhas melhores referências, com seu especial olhar para as coisas da vida, da ciência e da cultura. Um ser humano diferenciado que me acrescentou muito.
    Casei e vim morar em Piracicaba. Logo ele me achou e nossa amizade se estreitou. Comecei a conhecer seu trabalho no teatro através de sua adaptação e direção do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Entrei, então, em contato com sua sensibilidade, talento e competência para as artes. Era frequentador dos concertos de música erudita, na Escola de Música, onde também nos encontrávamos.
    Quando foi para seus estudos na Escócia, me convidou para substitui-lo nas aulas de Biologia do curso de Pedagogia. Nossa correspondência nesse período foi intensa e de uma riqueza incrível. Quanto aprendi com ele!
    Sua partida prematura deixou um vazio difícil de preencher.
    Foi uma grata surpresa poder me reencontrar com o Zé através de suas memórias, Professor.
    Parabéns pelo seu trabalho aqui no Diário do Engenho! Para mim, paulistana, tem sido um rico material para conhecer melhor Piracicaba, cidade que adotei como minha.
    Abraço.

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