O Brasil na era da Desinformação

O Brasil na era da Desinformação

 

Não. Você não leu errado. Nós, também, não erramos o título deste editorial. Contrariando a premissa maior que nos situa numa era de comunicação quase futurística e de velocidade espacial, afirmamos a contra-tese de que – por incrível que possa parecer – não vivemos a tão propalada era da informação. Ou, refinando nossa contra-tese, talvez seja melhor afirmarmos que, para nós do DE, não vivemos hoje a era da informação que muitos idealizam ou creem estarmos vivendo. Afinal, em meio à imensa quantidade de dados e mensagens veiculadas no dia a dia, prevalecem ao final das contas do brasileiro – com larga margem de vantagem – a informação falsa, a notícia falsa, o boato e a mentira. Ou seja: ante toda a informação possível é a desinformação quem deixa sua marca indelével em nosso tempo.

As famigeradas eleições de 2018 nos mostraram, nesse sentido, que o poder da desinformação se faz muito maior do que o da informação no Brasil atual. Situações absurdas e surreais ocorridas nas campanhas de muitos partidos e políticos eleitos servirão como farto material de pesquisa para quem, na seara acadêmica ou não, quiser comprovar a rigor a contra-tese que aqui levantamos. A poderosa boataria disseminada nas redes sociais, por exemplo, suplantou em muito (mas em muito mesmo!) qualquer possibilidade de desmascaramento ou reversão de tais boatos por qualquer mídia, órgão de imprensa ou veículo de comunicação. Em rede nacional de televisão, também por exemplo, o então candidato à presidência da república pelo PSL – agora lamentavelmente eleito – elencou no horário nobre do Jornal Nacional mentiras “famosas” como a da existência de um “Kit Gay” supostamente produzido pelo governo petista, com toda a desfaçatez do mundo. E, diante da desinformação ventilada pelo candidato, não houve informação correta que fosse capaz de desiludir e dissuadir o eleitor brasileiro de que o que o candidato dizia se tratava de uma evidente mentira.

Nessa trilha, a enxurrada de mentiras que, assim, varreu as redes sociais ao longo da campanha eleitoral, de maneira geral, afogou também qualquer mera informação jornalística minimamente pautada com um rigor profissional. E o show de horrores no campo das notícias falsas foi tão incrível e ao mesmo tão criativo que destruí-lo ou desarmá-lo tornou-se luta inglória e desigual. Da fake news da “mamadeira de piroca” ao boato de que o exército venezuelano invadiria o Brasil auxiliado pelos médicos cubanos “infiltrados” no país, a desinformação tomou conta da mente do brasileiro de maneira absurda e impressionante. Ainda nesse mesmo sentido, a utilização criminosa do Whatsapp no disparo de mentiras em massa foi – sem dúvida – um dos motores que impulsionaram a vitória do agora presidente do Brasil – que, mesmo depois de eleito, segue usando as redes sociais (tal como faz Trump, nos EUA), para propalar suas desinformações (as quais, momentos depois, ele mesmo corrige ou refaz).

A escolha da população pela desinformação também é outra ocorrência curiosa que se pode verificar no triste Brasil de hoje. Nos pouco mais de dez dias de novo governo, por exemplo, seus problemas e equívocos – apontados por parte da grande mídia – pouco ou nenhum efeito produziram na tela dos celulares da massa eleitora que, seduzida pela desinformação das fake news pró-governo, parece não ter dado conta das informações sérias que apontam os descaminhos daquele que foi eleito para o cargo majoritário do país. Mais uma vez, ante a informação jornalística, prevalece a desinformação espalhada engenhosamente via Whatsapp, Facebook, Twitter e outros. E, como que teleguiada, parte da população parece escolher no que quer acreditar – e dá preferência, indubitavelmente, ao que é falso, ao que é mentiroso e ligeiro.

Ainda nessa trilha, uma das cenas mais emblemáticas desta era de desinformação que o Brasil vive aconteceu no dia da posse do presidente eleito. A cena foi a seguinte: um grupo de eleitores e militantes do novo presidente, ao se ver frente a frente com um pequeno grupo de jornalistas e repórteres (profissionais, diga-se de passagem), passou a gritar em ataque direto a eles (e à imprensa, como um todo): “Whatsapp, Whatsapp, Whatsapp!”. Ora. Inacreditável, ridícula, vergonhosa e triste, a cena registra – em suma – a preferência dos eleitores e admiradores do presidente eleito pelo senso comum e mentiroso veiculado via Whatsapp do que pelo material jornalístico produzido pela imprensa (material esse agora tido como tendencioso, falacioso etc). Ao que parece, o jornalismo vem perdendo, longe, na queda de braço com as redes sociais e as fake news – fato que, entendemos, reforça a nossa contra-tese de que vivemos a era da desinformação no país.

Por isso, afirmamos ainda que, paradoxalmente, o advento da comunicação – e de sua velocidade – favoreceu também, sobremaneira, a desinformação (que ganhou fôlego nunca antes visto). A facilidade de se produzir algum tipo de conteúdo e de se difundi-lo instantaneamente a milhares de pessoas deu vida nova à boataria da esquina, à rádio corredor, à mentira deslavada e, assim, à desinformação. Também paradoxalmente, a democratização da informação promoveu à informalidade, o não profissionalismo, o criminoso que – iludindo a massa – cria blogs falsos, utiliza robôs que geram e disparam conteúdos mentirosos que atingem (em questão de segundos) um imenso contingente despreparado de (inábeis) leitores. E a era da desinformação vai se fossilizando.

Por fim, em terra arrasada, vale destacar ainda que a perda de credibilidade da grande mídia e o não letramento da maioria dos brasileiros fortalecem, em muito, os poderes tentaculares da desinformação  e das fake news.  Quer dizer, presa aos grilhões de seus patrocinadores e padrinhos políticos, a grande mídia perdeu sua credibilidade ao nitidamente interferir de maneira parcial na formação da opinião pública como um todo. Especialista em noticiar apenas um lado da história e de favorecer o surgimento de movimentos populares tendenciosos – como o do antipetismo, por exemplo –, a grande imprensa encontra agora o seu revés junto àqueles que, antes, a idolatravam.

Diante da perceptível parcialidade dos principais meios de comunicação e jornalões do Brasil, qualquer pequena mudança de posição deles é simplesmente recusada pela massa burra (que agora aceita que a mídia é capaz de todo tipo de manipulação e, por isso, teme e se protege de um possível ataque ao então presidente eleito). Mais do que isso, acostumada à fórmula proposta por essa própria “grande mídia,” para essa grande massa qualquer crítica a um governo de direita assume ares de ideologia de “esquerda” e de “comunismo” – a ponto de a própria Globo (o Grande Irmão, vejam só a ironia!), ser chamada de comunista por muitos ávidos e desinformados whatsappianos de plantão. Criado o mostro popular que vive do antipestismo e do ataque à esquerda, a criatura engole agora o seu criador – que passa a tomar de seu próprio veneno.

Tudo isso – aliado por fim ao não letramento da maioria da população (acostumada a vídeos medíocres de youtubers e outras imbecilidades geradas pela eclosão do acesso aos meios de comunicação) – estabelece uma definitiva e fatal zona de conflito que a informação precisa cruzar parar chegar às pessoas com maior credibilidade e objetividade. E por assim ser, mediante a dificuldade de efetivação desse processo, é que entendemos estar efetivamente instaurada no Brasil uma de suas piores e ignorantes eras.

Nela, bem informar e opinar com responsabilidade é também, sem dúvida alguma, uma importante forma de resistência.

 

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