Minas. E mais!

Minas. E mais!

Assim, uai. Que pode ser às nove da manhã ou às quatro da tarde. Há um tempo. Minas. Minas em férias. Minas das montanhas alterosas de Guilherme de Almeida. Minas das montanhas de ferro de Drummond. Voltei a Minas nestas mini-férias minhas e de julho. Voltei a um dos regaços familiares que passam tão despercebidos em sua origem pouco-distante. Meu avô materno – o Vô Pretti (da cozinha do antigo Cursilho e de armazéns, bares e açougues da velha Piracicaba) a quem, quando crianças, chamávamos por “Vô do Mazém” – era, senão, de Minas. Mais precisamente de Monte Santo. Talvez daí nos venha dele, então, a predileção familiar por tardes de queijo e café com prosa, por bolos de fubá com vida, por tortas recheadas de esperança e beleza. Ê, Minas! Para meu “Vô do Mazém”, Minas não há mais.

Mas Minas é logo ali, atrás das imensas serras de preto-ouro e sombra. Há um passo, a um passo, Minas passa de Estado a estado de graça. Uma xícara de leite – como há tempos não se toma na urbe – é Minas em estado latente. O bule cheirando quente, fumegado e fumegando no fogão de lenha, é Minas do líquido ao gasoso. O bolo sobremesa sobre a mesa, o meia-cura ou o cura-inteira furados em sonhos de delícias, a couve banhada em óleos santos e rezada de joelhos com alho e sal em frigideiras de pedra, o feijão de subir aos céus, a cachaça de descer aos chãos, tudo! Tudo isso é Minas em estado de amor, em estado de paixão e volatização amorosa. E tudo é logo ali, na graça da passagem por cidades incrustadas na paisagem, no verde-mato das campinas por entre homens, montes e montanhas que dançam e rebolam em estradas-artérias frias que levam a Minas e a seus três corações.

Porque Minas, sim, é logo ali. Porque Minas, sim, é logo aqui. No fechar de olhos e abrir das narinas em flor de fome e desejo há Minas. “Qué queijo? Qué queijo?” Nas pedras pés-de-moleque das ruas das cidades em suas histórias, nas lápides fincadas no solo interior das igrejas, nos campanários sonoros do replicar de destinos e sinos mora a Minas de se pegar com as mãos. Nas letras de gênios poetas e prosadores artesãos, vive a Minas de se pensar com os olhos e se ler com o coração. Alphonsus de Guimaraens, Thomás Antonio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e tantos outros. “Qué queijo?” Minas se escreve em letras grandes, garrafais, em meio a altares barrocos e estátuas de pedra sabão – “Qué queijo?” Minas se escreve e se inscreve por nomes imortais.

Ê, Minas! Ê, Minas. “Minas não é palavra montanhosa/É palavra abissal/Minas é dentro e fundo/As montanhas escondem o que é Minas./No alto mais celeste, subterrânea,/é galeria/vertical varando o ferro/para chegar ninguém sabe onde./Ninguém sabe Minas./A pedra/o buriti/a carranca/o nevoeiro/o raio/selam a verdade primeira,/ sepultada em eras geológicas de sonho./Só mineiros sabem./E não dizem nem a si mesmos /o irrevelável segredo/chamado Minas” – escreveu Drummond sobre ela. Sim. Bem vi e senti Minas assim, sô! Minas é “dentro e fundo” – e eu acrescentaria ainda: Minas é sempre. Minas é o ser tão mineiro, como escreveu Guimarães, é o ser universal sendo regional, é o existir no existir cavo e grave das pedras e do ouro do caminho real ou abissal que fizermos. Impossível deixar de ser Minas depois de vivê-la mesmo que por pouco tempo.

Acima de tudo, porém, Minas é linguagem. Linguagem de simplicidade cheia de afeto de sua gente honesta e boa. Minas é dedo de prosa, gostosa, na janela ou no portão. Linguagem feita de símbolos secretos, de mistérios de ordens milenares. Minas é linguagem feita de signos completos, vibrantes em sua potencialidade poética, em sua sinergia lírica, pétrea, áurea e musical. Mas, Minas é fala – em especial. Fala típica e única. Minas é som cantando, é canto-falado, espécie de sprechgesang feito de minérios e lembranças, feito de montanhas em vai-e-vem de tons, semitons e Miltons – para parafrasear (parodiando) Caetano – que vão do agudo ao grave no mesmo segundo (uai)! Sim. Minas é palavra, mais uma vez e sempre.

Abertas as narinas, sinto no ar, à distância, o cheiro de Minas. Afinal, se – como escreveu Guimarães Rosa – “o ar tem cheiro de lembrança”, sinto Minas por dentro a cada lufada em chegança vinda das bandas-em-lembrança de ferro e ouro pretos como o café e as noites de lá. Ê, Minas! Minas não há mais? Há-sempre-há!

“Qué queijo?”

 


Alê Bragion é editor do Diário do Engenho. 

2 thoughts on “Minas. E mais!

    1. Gratíssimo pela leitura e pela gentileza das palavras. Obrigado! A Zilma é uma amiga querida que sempre vê qualidades a mais em tudo.
      Um forte abraço!
      Alexandre.

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