Feira livre

Feira livre

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O olfato é, para mim, dos órgãos dos cinco sentidos, o mais revelador. Às vezes, a minha memória traz coisas, lá das profundezas, pelo cheiro. Há dias que tenho a sensação de que não existe nada para se escrever. Então, caminho solitariamente pelas ruas da cidade ˗ embora não esteja sozinho, mas cercado de gente por todos os lados (que em seu caminhar alucinante vaga quase como “zumbi” em busca do que fora programado).

Lá estou eu, firme em meus pensamentos, e de repente um cheiro, um odor forte me remete quase que instantaneamente ao passado longínquo. Às vezes, sinto o cheiro da feira˗livre que frequentava com minha mãe, às sextas-feiras, ali na Rua Benjamim Constant ˗ próximo ao prédio do Centro Espírita (esse patrimônio cultural, espiritual e fraternal de Piracicaba). A feira acontecia no primeiro quarteirão da Rua Benjamim e, além de ser imensa, recebia grande parte da população central de Piracicaba.

Quase de madrugada, minha mãe fazia toda limpeza da casa ˗ inclusive encerando-a com cera Poliflor (e, logo depois, ela passava a enceradeira que me despertava quase que às sete da manhã).  Era um despertar feliz, pois aquele casarão imenso cheirava a frescor ˗ e brilhavam os seus assoalhos (as casas naquela época eram, a maioria, assoalhadas com madeira).  Concluída a limpeza da casa, minha mãe arrumava-me e saíamos em direção à feira. Era um espetáculo fascinante aos meus olhos de criança, pois lá se encontravam presentes todas as famílias do bairro onde vivíamos.
fotoAinda era costumeiro dizer “bom dia,” perguntar por alguém da família ou conhecido e trocar elogios aos filhos ou às crianças. Os feirantes sempre ofereciam uma fatia de melancia, laranja ou um pedaço de outra fruta qualquer para que o freguês ou a criança que o acompanhava experimentassem o sabor e a qualidade do produto ofertado. Era uma festa, um acontecimento que se realizava todas as sextas-feiras ˗ e era um lugar para amar e sentir o fluir do amor em cada participante.

Em minha casa, a geladeira ficava repleta de frutas, e a fruteira (objeto para guardar frutas, que se colocava sobre a mesa) dava um colorido ao nosso lar ˗ além, é claro, de deixar um cheiro especial em cada parte da casa. Não era simplesmente uma residência, era um lar, um lugar aconchegante onde reinava felicidade e simplicidade, lugar onde a comunicação fluía nas trocas de olhares, nos encontros da luz dos olhos e no falar simples, afável e educativo de meus pais.

Foi o cheiro, o cheiro que senti, que me trouxe de volta essas suaves lembranças da minha querida infância ˗ habitada por árvores nas ruas, por jardins maravilhosos, por poucos veículos e gente que gostava de cumprimentar, de sorrir e de falar sobre gente. Ainda resta-nos o cheiro, importante para nos ajudar a alavancar doces lembranças de uma cidade da qual não sobrou quase nada.

Bom cheiro e bons pensamentos!

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João Carlos Teixeira Gonçalves é professor da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e consultor em Comunicação& marketing de empresas. 

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