É tempo de plantar! É tempo de despertar!

É tempo de plantar! É tempo de despertar!

cafe

As leis eternas da  natureza e da ordem existem. Elas estão escritas no fundo de seu coração pela consciência e pela razão; é a estas que ele deve sujeitar-se para ser livre. A liberdade não está em nenhuma forma de governo, ela está no coração do homem livre, ele a carrega por toda parte com ele.

– J. J. Rousseau. Émile.

 

É tempo de despertar. É tempo de refletir sobre os vendavais que destruíram lavouras antigas. Tempo de colher os frutos que sobraram, de apanhar do chão as ferramentas enferrujadas, de reunir os implementos. Vivemos o final de um ano marcadamente trágico. Ano de acontecimentos terríveis, de acidentes e incidentes que entraram para a história nacional e internacional. Emblemático, 2016 firma-se como um ano difícil de ser esquecido. Por isso, ao encerrarmos esse ciclo numérico – e, por que não dizer, numerológico – faz-se tempo de revermos e revisitarmos as nossas ações, nossos posicionamentos e participações nas mais diferentes esferas da vida humana em sociedade.

Nesse sentido, a metáfora do campo e do plantio parece – por mais clichê que seja – perfeita. Os budistas usam-na muitas vezes, inclusive para orientar a edificação de seus templos – o que, em parte, revela-se na beleza que nos enleva o espírito quando neles adentramos. O pensamento é o campo, nos ensinam os budistas, e o que nele nasce é fruto do que pensamos. Se construirmos bons campos e bons ambientes mentais, veremos brotar naturalmente uma realidade nova – mais amena, mais humana, mais sensível e mais bela. Do mundo oriental nos vem, então, a sabedoria que precisamos para o fechamento de nossos ciclos terrenos, de nossas egrégoras espirituais.

Do campo, por outro lado, também nos vem a metáfora do comunismo. Sim. E não apenas do comunismo enquanto ideologia, marxista, utópico-socialista. Mas do comunismo anterior a essas formulações e conceituações político-filosóficas. Do campo vem a ideia da partilha natural. Com os habitantes das regiões rurais e de comunidades agrícolas mais longínquas podemos aprender – mais profundamente que em qualquer compêndio – a dividir, a compartilhar e a viver em comunidade, de fato. O “homem natural,” de Rousseau, o Walden, de David Henry Thoreau, já nos apontavam – tal como “O Campo e a Cidade”, de Raymond Willians – que o campo é o caminho para a desobediência civil verdadeira; a partir da qual a práxis da vivência nos grandes centros descortina-se como desumana, egoísta, perigosa e baseada numa competitividade feroz que busca tão somente a acumulação de capital.

A foice – vista muitas vezes ao lado do martelo –, para além de um símbolo tão temido por tantos desavisados e ignorantes do conceito da vida em comunismo, remete-nos também ao ideal que vem do campo. Remete-nos, obviamente, num primeiro momento, aos trabalhadores rurais, àqueles que – de sol a sol – dedicam-se ao plantio e ao cultivo do mundo elementar (e são – na maioria das vezes – explorados pelos grandes latifúndios, por gigantescos grupos que transformam os bens rurais em produtos industriais destinados à venda, ao comércio e ao enriquecimento de poucos). Fora do compartilhar das comunidades rurais, a exploração da terra tristemente macula suas raízes, fere o cenário mais singelo do mundo e coloca o trabalhador campesino – quase escravizado – como vítima de um sistema injusto que paga pouco àquilo que, nas mesas dos grandes restaurantes ou nas gôndolas de enormes supermercados, é vendido a peso de ouro. Não é preciso divagar tanto para entendermos isso.  Ferreira Gullar, nosso genial poeta, já nos lembrava há décadas que muitos dão a vida para que possamos tomar nosso café, adoçado, todas as manhãs.

O branco açúcar que adoçará meu café

nesta manhã de Ipanema

não foi produzido por mim

nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro

e afável ao paladar

como beijo de moça, água

na pele, flor

que se dissolve na boca. Mas este açúcar

não foi feito por mim.

 

Este açúcar veio

da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.

Este açúcar veio

de uma usina de açúcar em Pernambuco

ou no Estado do Rio

e tampouco o fez o dono da usina.

 

Este açúcar era cana

e veio dos canaviais extensos

que não nascem por acaso

no regaço do vale.

 

Em lugares distantes, onde não há hospital

nem escola,

homens que não sabem ler e morrem de fome

aos 27 anos

plantaram e colheram a cana

que viraria açúcar.

 

Em usinas escuras,

homens de vida amarga

e dura

produziram este açúcar

branco e puro

com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Do campo nos vem, assim, também, a temática da docilidade – e da luta! Do endurecer sim, mas sem perder a ternura. Da luta que precisamos alimentar – e que nos alimenta – todos os dias. Luta à qual não podemos renegar ou esquecer. Luta que nos constitui, que nos move, que nos faz. Da luta pelo reconhecimento de todas as formas dignas de trabalho e de seus trabalhadores. Da luta pela manutenção dos direitos trabalhistas e sociais conquistados a duras penas ao longo de décadas – e que sofreram neste fatídico 2016, nas mãos de um governo ilegítimo, duros ataques.

Que do campo nos venha assim a inspiração para enfrentarmos um novo tempo, um novo ciclo, um novo ano. Que do campo possamos colher a metáfora da simplicidade -tão necessária e, por outro lado, tantas vezes ausente em nossas relações. Que dos trabalhadores rurais venha o modelo de resistência para nos mantermos firmes ante a sanha que quer tirar de nós, brasileiros, a certeza de caminhávamos para um Brasil melhor, para um mundo melhor. É tempo. É tempo de reflorescer. É tempo de fazer renascer novas esperanças, novos horizontes, novos campos. É tempo de despertar!

Nada está perdido. Nossa lavoura pode renascer, pode fazer brotar novamente o alimento capaz de matar a fome de nosso irmão. Nada está perdido! Sigamos de mãos dadas. “Os ombros suportam o mundo”, nos disse Drummond. Sigamos de mãos dadas!

É tempo. É tempo de despertar! Sempre é tempo!

Unamo-nos!

E que no ano que se inicia possamos, juntos, nos orgulharmos por contribuirmos, de fato, para um país mais justo, mais atento às necessidades de nossos irmãos, mais responsável, mais igualmente social. Que 2017 possa ser o tempo de nossa redenção, de nossa verdadeira comunhão por um Brasil melhor – livre dos governantes e dos políticos que o usurpam, dos cidadãos que o envergonham e o exploram. Não fujamos à luta!

De 2017, nós, do Diário do Engenho, esperamos a força que nos estimula a continuar a provocar, com suas sementes, que cada vez mais mentes se abram em busca de um novo tempo, em busca de uma nova florada, de uma nova colheita.

Saudemos novos tempos – e lutemos por um ano novo MUITO MELHOR a TODOS!

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