E a nação se desconstrói.

E a nação se desconstrói.

Passadas três semanas desde que o novo governo se instalou no Brasil, a realidade do país se torna cada vez mais inacreditável. Feito um surreal pesadelo ou uma grande piada de mau gosto, uma nação se desconstrói diante de nossos olhos.

No mapa dessa desconstrução, um controverso e desorientado “guru” (que diz que a Terra é plana, que o aquecimento global é uma conspiração da esquerda e que a AIDS não representa ameaça para a população heterossexual) nos relembra como as massas se seduzem por líderes que legitimam o ódio, o racismo, o preconceito, o desrespeito, celebrando inverdades e constituindo um exército de cidadãos inconscientes e viciados em doses de planejada desinformação.

Assim, o novo messias do Brasil vai trilhando o caminho que esperávamos, transitando sempre entre o absurdo e o ridículo. Sob seu comando está a sua seleção de outros personagens que atuam sob a tenda de um circo ministerial: uma ministra-pastora convocada para dizer uma bobagem por dia (e que fique claro a todos que o tema “Direitos Humanos” nada vale em seu espetáculo bufão); um ministro da educação que disse abertamente que o golpe militar de 64 deve ser comemorado, que o Enem era “instrumento de ideologização” e que acabará com a educação de gênero; um ministro da Justiça que, há um bom tempo, sabemos, cuida meticulosamente para que de forma calculada haja “justiça” somente para um determinado grupo; um ministro da economia que, sem a menor vergonha, mal corrigiu o salário mínimo com relação à inflação, reduziu o auxílio-reclusão das famílias dos detentos (sim, reduziu, pois a correção ficou abaixo da taxa da inflação prevista) e que parece que anda preparando – ao mais perfeito estilo do Grande Irmão que preside os EUA – um conveniente tax cut (corte de impostos) especialmente para os multimilionários e bilionários do Brasil.

No frigir dos ovos, a classe média deverá pagar caro por sua escolha política – enquanto o pobre (e esse que não ouse cogitar sair da parte social que lhe cabe) deverá ficar ainda mais pobre e domado. A tudo isso se soma já as dezenas de ocorrências no âmbito social “inspiradas” no modelo de força e ataque aos Direitos Humanos dos novos líderes do Brasil (os índios, por exemplo, já registraram diversas invasões em suas terras, desapropriações forçadas por grupos armados e ameaças – como no Pará e em Rondônia, por exemplo – além do calculado enfraquecimento da FUNAI).

A comunidade LGBT segue também sendo atacada de diversas formas, como em declarações públicas (como o bizarro incidente do azul e rosa) e a exclusão de sua sigla das diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos. As destruições dos progressos atingidos no sistema de educação brasileiro são, sem surpresas, assustadoras. Por exemplo, o agora responsável pela nova Secretaria de Alfabetização diz abertamente que as diretrizes do Ministério da Educação tinham até, então, “preocupação exagerada com a construção de uma sociedade igualitária”.

A “Escola sem Partido” – mesmo que rechaçada na Câmara e engavetada no que diz respeito à possibilidade de sua legalização – vem sendo legitimada e se espalhando por diversas escolas do país às escondidas. (Parênteses quase à parte, vale lembrar que quem conhece a História do mundo sabe que a “Escola sem Partido” se baseia nas mesmas premissas que fundamentavam o sistema de ensino oferecido à juventude hitlerista, na Alemanha nos anos 30. Não é também coincidência que o partido neonazista da Alemanha, o AfD – sobre o qual o Diário do Engenho já publicou, em 2017, um importante artigo –, tenha proposto também sua versão de modelo de ensino, intitulada “Neutrale Schulen” – “Escolas neutras” –, que caminha na mesma linha de pensamento da antiga Alemanha e do atual Brasil).

Condizente com tudo isto acima citado, é claro, não poderia faltar a facilitação da posse de armas de fogo dentro de casa. Agora, a mulher vítima de feminicídio vai ter de lidar também com um marido que a espanca e, ainda por cima, mais facilmente poderá estar armado. Some-se ainda a esse descomeço a extinção do Ministério da Cultura e do Ministério do Trabalho; o desmonte da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi); a eliminação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea);

É o fim? Não. É só o começo.

E, por assim ser, este presente editorial tem apenas como objetivo listar alguns tópicos do que entendemos ser parte do desmanche inicial do Brasil. Paremos, por ora, por aqui. Mas sigamos, contudo, evidenciando, registrando e documentando cada ato negativo (e positivo, se houver) que este governo e seus aliados estão realizando no país, para que nada passe despercebido ao momento presente e às futuras gerações.

Afinal, entender muito bem este momento (que vem se configurando como uma das épocas mais absurdas da história do Brasil republicano) é fundamental para não nos alienarmos política e socialmente – e sabermos debater e cobrar a sociedade sobre a escolha política por ela feita.

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EM TEMPO: acrescente-se ainda, em cima da hora, a desistência do deputado federal Jean Wyllys (PSOL) em tomar posse em fevereiro e assumir seu terceiro mandato na Câmara. Eleito com uma das mais expressivas votações do país, Jean deixa o Brasil com medo de ser morto por seus adversários políticos, que o ameaçam violentamente há alguns meses. Abalado com o assassinato de seu correligionária Marielle Franco – vereadora pelo PSOL do Rio e ativista dos Direitos Humanos como Jean – o deputado resolveu seguir o que cantou o grande Maluco Beleza de nossa música popular:

“Eu não sou besta pra tirar onda de herói

Sou vacinado, eu sou cowboy

Cowboy fora da lei

Durango Kid só existe no gibi

E quem quiser que fique aqui

Entrar pra história é com vocês!”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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