Brasil: um Passo em Frente, Dois Passos Atrás

Brasil: um Passo em Frente, Dois Passos Atrás

Brasil

 

Quando se trava uma luta prolongada, tenaz e apaixonada começam a delinear-se, geralmente ao fim de certo tempo, os pontos de divergência centrais, essenciais, de cuja solução depende o resultado definitivo da campanha, e em comparação com os quais os episódios menores e insignificantes da luta passam cada vez mais para segundo plano.

Vladimir Ilitch Lenin

 

A grave crise atual, que mergulhou o Brasil em uma acirrada disputa de poder, talvez não esteja sendo compreendida em toda sua emblemática complexidade. Para o senso comum, em análises carentes de conceitos e fundamentos, a crise econômica é mera consequência do elevado nível de corrupção, má gestão e aparelhamento do Estado. É óbvio que tais práticas revelam descomprometimento com a coisa pública, devendo ser rigorosamente refutadas, combatidas e superadas. No entanto, a crise em si talvez contemple dimensões bem mais sombrias e profundas, que ao ganharem luz podem desvelar dinâmicas ideológicas de manipulação, alienação e supressão de direitos.

Em geral, as análises implementadas pela grande mídia, sob o suporte de pseudos cientistas políticos e economistas, tendem a apresentar a realidade de maneira invertida. Com enviesadas e limitadas reflexões conjunturais, a política – personificada pelo poder executivo – passa a ser satanizada, tornando-se a única responsável pelas mazelas no campo socioeconômico. Noções básicas da dialética relação entre infraestrutura e supraestrutura são simplesmente desconsideradas. O erro lógico conduz ao equívoco da conclusão. Ao enfrentar o problema de forma inadequada, invertendo a relação causa e efeito, a solução vislumbrada só pode explicitar confusão, perplexidade e equivocidade.

Os agentes ocultos da crise, mascarados por discursos de eficiência e competitividade, paulatinamente vão retirando suas máscaras e explicitando seus pérfidos interesses, que não guardam nenhuma proximidade com princípios de ética, de lisura, de justiça e de bem comum. O fim da história se impõe implacavelmente. É preciso agora outro governo, capaz de imprimir maior celeridade no processo de implantação das reformas neoliberais.

A crise desmonta a ideologia do Estado Democrático de Direito. A democracia aparece como uma mera concessão, não como uma construção e conquista de toda uma sociedade. Se os princípios democráticos não mais se apresentam como convenientes e congruentes para a consolidação da globalização neoliberal, suplantam-se, simplesmente, tais bases democráticas. Não pode haver empecilhos – sejam políticos, religiosos, éticos etc – para os avanços do mercado global.

A Era dos Direitos pode estar alcançando seu ocaso, não apenas no Brasil, mas em escala global. O grande capital, com a perspectiva neoliberal, tem pressa, por isso não tergiversa, não faz concessões, nem dialoga. Quem não se alinha ao tempo e ao ritmo estipulado é simplesmente substituído, por um servo mais leal e eficiente. Os fins sempre justificam os meios. A detração, a calúnia, a traição, a perseguição, o banimento, a criminalização despontam como estratégias legítimas, em um campo aberto de luta pela hegemonia. O grande capital, na defesa de seu projeto, mostra suas armas, que são letais e também bem sujas.

O que se coloca em questão está para além da mera defesa da continuidade ou não de um determinado governo. O ponto fundamental consiste em reconhecer que o limite da democracia se encerra em parâmetros econômicos. Há um modelo de economia não solidária, que suplanta os anseios democráticos. Se o atual governo pode se revelar também articulador de reformas indefensáveis – o Projeto de Lei 257/2016, que restringe direitos do funcionalismo, por exemplo –, há a perspectiva de um devir nebuloso, com a projeção de governos mais vorazes na consolidação de políticas estruturantes do capitalismo de mercado.

A disputa no campo político, diferente do que alardeia midiaticamente os agentes do grande capital, alcança uma identidade bem mais ampla e fundamental. Os antagonismos das classes, apesar de todo aparato ideológico, revelam-se cada vez mais inconciliáveis. O projeto de uma sociedade realmente democrática, pautada no direito e voltada para a construção do bem coletivo se contrapõe, profundamente, aos ditames neoliberais de um Estado mínimo, sem qualquer vínculo com o direito e a cidadania. O momento político delineia-se como tempo propício para se rever projetos e modelos de sociedade. Cabe aos movimentos sociais o protagonismo em todo esse processo, anunciando novas perspectivas para o Brasil.

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Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo 

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