Berne

Berne

Homem e cão

Já viu um berne?

É um bicho nojento! Na verdade, é uma larva de mosquito que entra na pele do cachorro, começa a comer internamente e se desenvolve até alguém tirar. O cachorro fica dolorido e coça sem parar, tentando tirar o bicho. Imagine uma coisa te comendo a pele? Um horror! O pior é tirar. Precisa apertar a pele de baixo para cima e, aos poucos, aparece a larva até sair inteira: branca, rugosa, com espinhos no corpo. Um nojo!

Até um tempo atrás, cada vez que aparecia um berne no cão aqui de casa, eu o levava veterinário. Tinha que colocar o cão no carro (e os ‘n’ pelos que vinham junto e se instalavam no estofamento), levar até a clínica. E o mais doloroso: pagar uma consulta. Depois de várias consultas, decidi que aprenderia a tirar bernes. Consegui. E isso me deixo bem feliz, especialmente pela economia que pude vislumbrar. Mas, mais importante, por me tornar capaz de tirar bernes. Nem sei se isso é coisa para se orgulhar, mas me satisfez a capacidade de cuidado e habilidade.

Agora, teve um dia que me deixou bem mais orgulhoso!

Eu gosto demais dos cães aqui de casa. Saio para andar com eles quase todas as manhãs. Já não sei se os levo ou se eles me levam. Preciso do ar fresco da manhã para acordar e dar disposição para enfrentar minhas dores e temores. Preciso respirar e suar, assim como eles precisam de rotina de caminhadas para não ficarem estressados. Enfim, a gente troca passos e afetos pelas manhãs e vemos o dia clarear com novos horizontes possíveis.

Eu gosto de cães, mas não sou o tipo que coloca fita, abraça, beija ou deixa entrar em casa. Dentro de casa, nem pensar. Cão é cão e seu lugar é para fora. Imagina aquele monte de pelo, baba e os carimbos de pata pelo chão. Fiquei orgulhoso por causa de um berne. Era um berne doloroso. Se dói tirar espinhas e cravos, imagine tirar uma larva do corpo? Era um berne doloroso porque estava na pata, perto dos dedos, um lugar perto de ossos e sem carne para poder movimentar a expulsão.

Segurei o cão, mas a sua boca ficou no meu braço. Ou seja, ele colocou a boca toda ao redor do meu braço enquanto eu espremia seu corpo. E, enquanto eu apertava, ele mostrava os sinais da dor, mas não mordia. Eu, com o braço na sua boca, apertando sua dor, e ele não me mordeu. Me deixou todo babado, mas não mordeu. Me senti tão dono do cão, tão seu companheiro na dor e na expectativa de melhora e alívio que o berne traz, ao ser retirado. Me senti confiado, acreditado e dono de uma segurança enorme para ele.

Na verdade, parafraseando o Vinícius, me senti um verdadeiro uísque. Eu sou seu melhor amigo, sou um homem engarrafado.

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Gesse

 

 

 

 

 

Gessé Marques é sociólogo e professor na Universidade Metodista de Piracicaba.

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