O Fascismo e as Massas.

O Fascismo e as Massas.

Por “massa” não se entende especialmente o operário;

não designa aqui uma classe social, mas uma classe ou um modo

de ser homem que hoje está em todas as classes sociais,

que por isso mesmo representa o nosso tempo,

sobre o qual impera e predomina.

José Ortega Y Gasset, A Rebelião das Massas.

 

O presente texto aparece mais como uma forma de desabafo, um partilhar de ideias, buscando alcança espíritos e pessoas com inclinações humanistas e democráticas, que desejam e lutam, sobretudo, por um mundo melhor, mais fraterno, justo, igualitário. Logo, o texto destina-se a pessoas que se posicionam contra todas as formas de opressão e se angustiam com a ascensão de discursos de conteúdo fascista – que ganham espaço no atual cenário político eleitoral. O texto vislumbra ainda se constituir como uma via de interlocução com todos aqueles que, de maneira sensível, entendem a urgência da defesa intransigente da liberdade, do direito, da dignidade humana.

É preciso se levar em conta que o discurso neofascista, articulado por candidatos tanto à cadeira presidencial, mas também por aspirantes ao legislativo, não é dirigido para quem defende e milita no campo dos Direitos Humanos. É um discurso que tem como objetivo alcançar as massas. Sempre é bom recordar que o nazifascismo, um paralelo muito próximo das ideologias propagadas por determinados candidatos, foi um movimento de massas, com apelo coletivo.

E se o discurso tem como destinatário as massas, é preciso ter claro que essas tendem a não refletir, não pensar, confrontar, problematizar, mas são conduzidas, impulsionadas por chavões, pela ativação de medos e desejos inconscientes. Caso pensassem não seriam membros da massa, mas sujeitos críticos, cidadãos esclarecidos. A estrutura do pensamento da massa, além do caráter conservador e reacionário, é também pseudocientífica, portanto elaborada sem consciência crítica, sem capacidade de considerar e problematizar os dados estáticos da realidade. É uma consciência alienada, tomada por representações ideológicas, por concepções fragmentadas e fantasiosas,permeadas por incoerências.

Nessa lógica das massas, o discurso fascista, propalado por determinados candidatos no atual cenário eleitoral,acaba por encarnar tudo o que há de pior no ser humano, pulsões e inclinações doentias conscientes e inconscientes. É como se tal discurso fosse um “catalisador”, que condensa e amplifica toda a maldade e conservadorismo presente na sociedade.O discurso fascista, personificado em determinado candidato presidencial, dá corpo, estrutura, sistematiza, o que está disperso na sociedade.Esse processo vai muito além dos inúmeros erros, absurdos conceituais, distorções da história e frases preconceituosas proferidas, está presente na mensagem central de certo candidato. Não persistem conceitos, reconstruídos a partir de uma percepção cheia de conteúdo e crítica.

Talvez um grave equívoco, por parte daqueles que se situam no campo democrático e comungam de uma perspectiva humanista, consiste em pensar que a massa não se identificará ou não aceitará a barbárie que o discurso fascista propaga. É exatamente o contrário. O discurso fascista acaba por se projetar, dando ênfase a pensamentos, sentimentos, visões de mundo, preconceitos já presentes na massa. Tais elementos e concepções já se faziam presentes, talvez em estado de latência, de maneira fragmentada e desestruturada, sem muita evidência, na prática cotidiana da maioria dos indivíduos, conduzidos pelo senso comum. O discurso fascista é tentador por que não carece de críticas e entendimento, beira o instinto e o ódio.

Outro ponto que precisa ser considerado coloca-se nas proposições de caráter neoliberais a definirem as dimensões sociopolítico-econômicas, propagadas constantemente pela grande impressa. A cumplicidade da mídia, com determinados candidatos neofascistas, especificamente na área econômica, explica o fato de projetos inconsistentes e vazios, nitidamente fadados ao fracasso social, nunca serem criteriosamente sabatinados e contestados.Assim, a maioria dos jornalistas, como intelectuais orgânicos a serviço de um sistema iníquo, representantes dos grandes conglomerados empresariais-midiáticos do país, não conseguem esconder sua plena parcialidade e falta de isenção, produzindo um jornalismo tacanho, ideológico e descomprometido com qualquer noção de verdade e razoabilidade.Este tipo de jornalismo dedica-se muito mais a escavar, suscitar polêmicas – em um ideológico jogo de sensacionalismo –, as quais determinados candidatos parecem adorar entrar, pois sabem que tais posturas ecoam,alcançando grande repercussão e identidade com a massa.

Neste sentido, se compararmos, por exemplo, uma pseudo-entrevista de um candidato alinhado com um pensamento neoliberal e neofascista com a dura sabatinada que se produz sobre um candidato do campo democrático,ficará em evidência o partidarismo, a hipocrisia, o cinismo, a desfaçatez, assumida, em aberta contradição a princípios básicos de ética profissional, por parte de importantes setores da grande mídia. Em verdade, a mídia não quer ou pretende levantar as questões que denunciam e escancaram as origens da iniquidade, de uma sociedade injusta, calcada na pobreza, que só pode e é capaz de construir o fascismo no campo ideológico.

Nesse jogo de manipulação e alienação, destacam-se, então, dois aspectos fundamentais, que devem ser explicitados. Primeiro, o projeto neoliberal de macropolítica econômica aparece continuamente defendido e propagado pelos grandes veículos de comunicação. Segundo, as ideias preconceituosas, neofascistas residem no senso comum, que se expressa no universo massificado de leitura de mundo.O discurso neofascista, assumido por determinados candidatos,articula e unifica esses dois aspectos, apresentando e devolvendo-os às massas, de forma palatável.

Apenas como exemplos ilustrativos, vejamos duas propostas advindas do campo conservador e antidemocrático: no âmbito econômico, o neoliberalismo e, na área da segurança pública, o uso da força excessiva e da violência como formas de combate ao crime. Um é a defesa do pensamento neoliberal, esse que conta com a redução do Estado, com diminuição dos investimentos sociais, menor participação pública na área economia etc. Não se projetam questionamentos por parte da grande mídia em torno das falhas desse modelo econômico;há um profundo silêncio sobre o quanto o neoliberalismo é prejudicial para a maioria da população, particularmente os pobres – e, no geral, para a condição humana. Não se abre espaço para a denúncia de que tal modelo econômico não deu conta do processo civilizatório em qualquer canto do mundo, da comunidade planetária. O fato é que a economia neoliberal sempre levou as nações ao abismo, aprofundando as desigualdades e acentuando a pobreza onde foi implantado, conforme ocorreu na crise de 2006-8 iniciada nos EUA; e que esse modelo econômico é o adotado atualmente pelo (des) governo golpista de Michel Temer.

É comum, entre os neofascistas, a defesa de um aparato policial brutalizado,a promover violências. Uma violência, porém,disseminada de maneira seletiva, dirigida contra os pobres e, mais especificamente, contra a juventude negra das regiões periféricas das grandes cidades.É estarrecedor que diante de um discurso brutal não se elevem questionamentos com números, com dados, a demonstrarem que esse tipo de política de segurança pública longe de resolver o problema da criminalidade acaba por acentuá-lo, produzindo a morte de cidadãos. Há uma ausência de contrapontos, de maneira a reforçar experiências bem-sucedidas de países como a Inglaterra e Países Baixos, em que a lógica policial é totalmente contrária as ideias que advogam uma polícia mais violenta.

O que está em curso é um processo de criminalização da pobreza. Não deixa de ser triste frisar que nada é mais atrativo ao senso comum do que a morte de pobres, identificados como criminosos e marginais. Projeta-se,nos programas televisivos policias, com forte apelo sensacionalista, a invadirem a rede aberta de televisão nos finas de tarde, um prazer doentio, um fascínio perverso com o sangue escorrendo de um pobre morto à bala, reduzido à condição de mero criminoso, sem cidadania, sem direitos, sem visibilidade, sem lugar na cidade.

O discurso fascista, encampado por determinados candidatos, representa um perigo real. Com possibilidades concretas de alcançar a preferência do eleitorado, levando muitos candidatos ao Congresso Nacional e aos Governos dos Estados. O risco é que tal discurso acabe por produzir uma onda de seguidores, num processo mimético de radicalização e reprodução de formas de violência.O discurso fascista pode agradar ao senso comum, na medida em que apresenta respostas simplistas e diretas para os graves dilemas do país.

Não há soluções fáceis para situações complexas, marcadas por cenários de desigualdades estruturais e históricas. Fazendo frente à besta do fascismo, torna-se fundamental que se desencadeie um amplo movimento formativo, tomado por reflexões e ações, a afirmar o valor da democracia, da cidadania e a plena dignidade de cada pessoa. É preciso a construção de um projeto político que encampe a urgente tarefa de se educar para a civilização, suplantando todas as expressões de fascismo e barbárie. Essa parece ser a tarefa irrefutável de nosso tempo. Sigamos juntos.

 


 

 

 

WilsonHorvath. Doutor em Educação e professor na UNINOVE.

 

 

 

 

Adelino Francisco de Oliveira. Doutor em Filosofia e professor no Instituto Federal, Piracicaba.

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