A Minha  Quaresma – Zilma Bandel.

A Minha Quaresma – Zilma Bandel.

Páscoa 2

“Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”.

 (Amós 5,24)

 

Tempo de quaresma. São tantas as inquietações, as preocupações, o medo da desesperança, o assombro com o que vemos acontecer, com a natureza e gente, no nosso país e no mundo, que me vi pensando em qual seria minha mais importante reflexão para a quaresma. Difícil. Lembro Hannah Arendt, pensadora alemã de origem judia. “Espero que o pensar dê às pessoas a força para evitar catástrofes, naqueles raros momentos em que as cartas estão todas à mostra”. Pensar, buscar a verdade, não se deixar manipular e  sentir com real intensidade o que é  exigido de cada um,  por seu papel na sociedade como cidadão consciente.

O início da quaresma sempre me traz a expectativa sobre o tema da Campanha da Fraternidade.  Senti um grande alento ao ler que a maior preocupação desse ano de 2016 é com o saneamento básico. O tema desta Campanha é “Casa comum, nossa responsabilidade”. O  lema é a citação do profeta  Amós, inserida no início deste texto. Repito: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”. E o objetivo geral é “… assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa casa comum”. E não é esse um  direito humano fundamental que requer esforços e cuidados de cada um de nós, como sociedade civil, e poder público? Por causa disso “… é uma Campanha Ecumênica, pois a questão do saneamento afeta não apenas católicos, mas todas as pessoas, independente da fé que professem.”Pascoa 4

O documento lembra  “o abastecimento de água potável, o esgoto sanitário, a limpeza urbana, o manejo de resíduos, o controle de meios transmissores de doenças e a drenagem de águas pluviais, como medidas necessárias para que todas as pessoas possam ter saúde e vida dignas.” E “justiça ambiental é parte integrante da justiça social”. A nossa preocupação com a vida na Terra, então, nos lembra da necessidade de critérios coerentes com o objetivo de mais justiça e paz, resultando na superação das desigualdades, no fim de agressões à natureza, como o terrível desastre ecológico em Mariana, como os perigos do controle químico de pragas e epidemias, como o descuido que vemos com a higiene nos espaços públicos e particulares, resultando em piora na qualidade de vida, inundações, doenças, perdas de vidas. E nossos rios que secaram? Tristes e inesquecíveis imagens.

“É, portanto, necessária e urgente que as ações para a preservação ambiental busquem também  construir justiça, principalmente para os pequenos e pobres”. Não são os pequenos e pobres que mais sofrem com a irresponsabilidade com que nosso planeta está sendo tratado? Nesse sentido, devemos buscar justiça e dignidade para todos. E o cuidado e amor de uns com os outros. Como também faz parte de nossa vivência de amor o cuidado com a natureza, com plantas e animais, com gratidão e respeito. Esse cuidado e amor  promovem o bem comum.

Páscoa 3Com o mesmo foco, para reflexão, as palavras do escritor e ecoteólogo, como muitos o chamam, Leonardo Boff, em “O Senhor é meu Pastor”, 2004: “Há muito medo hoje no mundo. Medo de doença, de sofrimento, de abandono e de solidão. …  Há medo de guerras … A máquina de morte já construída é tão devastadora que pode colocar em risco o futuro da espécie humana e ferir gravemente a biosfera … Há medo de algum cataclismo na natureza, provocado pelos desequilíbrios produzidos pelos seres humanos. Há sinais que indicam o desastre em curso, como o aumento da temperatura do planeta, a crescente poluição do ar e a contaminação acelerada das águas e dos solos. Há medo generalizado de que os bilhões de famintos e excluídos não aceitem mais passivamente o  veredicto de morte que pesa sobre eles. Quem nos garante que não venham forçar a criação rápida de uma outra ordem mundial que inclua a todos e garanta a eles, filhos e filhas da Terra, o sustento necessário e decente? Há medo de doenças incuráveis, de epidemias mundiais … O medo revela a condição humana, feita de medos e esperanças, de desamparo e busca de conforto. Nós nos damos conta de que não somos senhores de nós mesmos, de nossa vida com seu rumo e seu futuro. Estamos à mercê de forças e conjunturas que não controlamos.”

Estou me surpreendendo, a cada dia, com a busca de culpados – ou quem sabe, de desculpas e defesas, – para a  responsabilidade pelos casos de microcefalia.  Vírus, vacinas, larvicidas, agrotóxicos e tantos outros estudos e argumentos conflitantes. Como ficamos? Casas e cidades sendo pulverizadas com inseticidas para acabar com os mosquitos. Acabar? E as águas, o solo, os animais. E os seres humanos? Como ficarão essas crianças que estão nascendo com esse problema físico? Terão o acolhimento e os cuidados necessários, a preocupação do poder público? Serão tratadas sem preconceito?

Penso muito na vida que terão essas crianças, talvez pelo fato de me envolver há longo tempo  com criaturas portadoras de necessidades especiais. Sei bem da não aceitação, do preconceito, muitas vezes começando dentro das famílias. A percepção  do quanto essas criaturas têm para nos ensinar, com sua doçura, sua luta pela superação, sua capacidade de amar e necessidade de serem amadas,  faria o mundo mais justo, com mais afeto e respeito. Na quaresma, em especial, lembramos  que Cristo foi julgado, condenado, torturado e crucificado. Leiga, humana, simples mortal, sempre senti que tudo isso aconteceu por Ele ser diferente. Sua doutrina, suas palavras e atitudes nos deixaram o legado do amor incondicional. Mas também atraíram sobre si um ódio mortal.

Pascoa 5Num mundo ideal, haveria respeito, aceitação, cordialidade, afeto entre os humanos, mesmo os que são chamados  de “diferentes” – não somos todos irmãos? E haveria respeitoso cuidado com o nosso planeta. É fundamental ouvir o grito dos excluídos, dos pequenos, dos pobres. E também o grito da Terra. Quaresma é um tempo de silenciar e ouvir, de reflexão, de conversão, de solidariedade e partilha, de fraternidade e perdão. É um tempo de alegria na fé, na esperança. Um tempo de amor que deve ser nosso melhor olhar para a vida, pelos outros, nossos irmãos, pela natureza. A cada dia em que vivermos. Vamos comungar a alegria que o amor e o sacrifício do Cristo nos trouxeram. E jejuar de tudo o que não alimenta nosso espírito com luz, bons sentimentos, boas vibrações.

Volto a Amós e o lema que inspira e anima a Campanha da Fraternidade deste ano de 2016. “Amós fundamenta sua pregação profética numa denúncia social aguda, chamando a atenção para um progresso econômico que não se traduzia em igualdade e justiça para todos”. Buscando profunda consciência social, nos meus silêncios desta quaresma, procuro refletir sobre ética, amor, respeito, igualdade e justiça para todos. Para todos.

Não é o que Cristo pregou?

Feliz Páscoa!

 

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Zilma foto

 

 

 

 

 

 

Zilma Bandel é pós-graduada em Biologia. 

26 thoughts on “A Minha Quaresma – Zilma Bandel.

  1. Olá, querida Zilma, estimo que esteja bem!
    Estou terminando o meu domingo… antes resolvi passar pelo Diário e tive o prazer de me deparar com suas provocações, tão carregadas de senso crítico e viva esperança.
    A Quaresmo é mesmo um tempo fecundo, a nos convidar ao recolhimento e reflexão. Tempo forte de profunda espiritualidade.
    O seu sugestivo artigo também nos proporciona uma bela síntese da Campanha da Fraternidade, que novamente aponta para a urgência de construirmos um novo tempo, pautado em relações de justiça, solidariedade e sustentabilidade.
    Sua reflexão ecoa esperança… que bom! Abraços, Adelino.

  2. Que profundidade, D. Zilma Bandel, a sua meditação: mística e profetismo são suas marcas e aprofundamentos, com uma centralidade afetiva e lúcida, pela fé que professa! Neste tempo tão crítico e urgente, a sua análise oportuna, da contextualização à problemática, do olhar profundo ao indicativo de que é possível um mundo diferente, renovado, iluminado e transformado pela nobreza que cada um porta, por natureza: o dom do amor indivisível! Parabéns! Gratidão! Sempre sou evangelizado pelo seu teor catequético e testemunhal! Abraço de paz!

  3. Querida Zilma,
    Que bonita reflexão sobre a quaresma. Nesses tempos de profunda falta de esperança em ter um país mais justo, com menos desigualdades e com mais respeito entre as pessoas, seu texto tira as palavras do meu intimo . Como seria maravilhoso que nossos políticos tivessem esse mesmo pensamento .
    Parabéns pela crônica e pela escolha do tema. Perfeitos!

  4. Um alerta, uma chamada de atenção é o que você tão conscientemente nos propõe. Oxalá todos tivessem essa atitude diante da caótica situação que enfrentamos hoje. Lindas reflexões que nos colocam em xeque: acordai enquanto é tempo, não é Zilma? A nossa casa precisa desse socorro urgente. Parabéns pelas palavras, pela fé e por que não pela esperança sempre.

    1. Querida Ariadne.
      Feliz com sua leitura e generosa avaliação.
      Difíceis tempos em todos os sentidos, para o ser humano, para a natureza. Nosso planeta pede socorro. Nós pedimos mais justiça, mais amor, mais tolerância, uma vida digna para todos, em que o bem comum seja uma preocupação de cada um de nós.
      E é no tempo da quaresma que nos sentimos mais sensibilizados para essas reflexões, para as mudanças necessárias em nosso espírito, na situação mundial, e no nosso planeta. Tempo de recolhimento, esperança renovada e fé fortalecida.
      Beijo, amiga, com afeto e gratidão.

  5. Zilma,
    Mais um excelente texto com profundas e criteriosas reflexões.
    Mais que reflexões, suas análises refletem, com destemor, um inconformismo e desabafo brotado do fundo d’alma.
    Parabéns.
    Um beijo grande.
    Sérgio França

    1. Obrigada, Sérgio, pela leitura e carinhosa avaliação.
      Os tempos são difíceis, como um circo de horrores. Há que se conscientizar para a responsabilidade que cada um de nós deve ter para com o outro e para com nosso planeta. Respeito, justiça, tolerância, preocupação com o bem comum, deveriam ser palavras de ordem.
      Beijo com carinho para você e para a Lú.

  6. Aguardava há tempo sua crônica.E hoje ela abrange um tema muito importante:quaresma,justiça social,preservação ambiental,pessoas especiais…tudo tão bem abordado por você.Como sempre,com profundidade,clareza,grande reflexão…Como sempre,me encantando com suas crônicas.A Campanha da Fraternidade de 2016 aborda questões de suma importãncia para nós,responsáveis por um mundo melhor:saneamento,cura de doenças, preservação ambiental e,como você bem colocou,justiça social.Realmente seu texto coloca claramente tudo aquilo que nos preocupa para um futuro mais digno,mais justo,principalmente para aqueles menos favorecidos,física ou socialmente.Você consegue captar ,como sempre,todos os aspectos que demandam soluções urgentes.Quem sabe um dia teremos pessoas, como você,responsáveis por esse futuro melhor.Só posso agradecer a oportunidade de ter me encantado com esse texto de esperança,bons sentimentos ,justiça.E,como sempre,querida amiga,PARABÉNS.

    1. Dida, querida amiga, sou profundamente grata pela sua amizade, seu carinho e compreensão pelos sentimentos que me moveram a escrever essa crônica.
      Pensei que já tivesse encerrado esse meu ciclo de, atrevida, escrever para amigos queridos e para tantos desconhecidos. É um desafio que ainda não consegui encarar com tranquilidade. Mas, mais uma vez, estou aqui dando a cara para bater.
      É urgente que o ser humano olhe para seu semelhante com respeito, tolerância, perdão, amor. Sem isso, sem que a ganância perca a força com que está movendo os homens, não vejo melhora na nossa qualidade humana, na qualidade de vida no nosso planeta.
      Consciência, esperança, respeito, fé sempre renovada é um pouco do que precisamos para atingirmos a paz e a justiça social.
      Beijo com muito afeto e gratidão.
      Feliz Páscoa!

  7. Querido Adelino.
    Sua leitura e seus comentários me enriquecem e valorizam meu texto.
    Algumas reflexões e comentários me fizeram sentir que vibramos na mesma freqüência. Importante pra mim. Fiquei honrada porque você tem conhecimento profundo sobre o assunto que abordei e, assim mesmo, foi generoso na apreciação.
    Muito obrigada , Adelino.
    Abraço com afeto.

  8. Querido Frei Moacyr.
    Fiquei emocionada com tanta generosidade em sua apreciação. Sempre que escrevo sobre assuntos que envolvem religião, fico insegura pelo fato de ser leiga. E o senhor tem profundo conhecimento e uma espiritualidade que emociona.
    Enfim, sou tocada a fé e acredito que, por causa disso e minha vivência, posso ser perdoada por minhas falhas.
    Desejo um tempo de Páscoa com muita luz, e que estejamos sempre unidos em espírito.
    Abraço com muito afeto e gratidão.

  9. Rose, querida amiga.
    Você sabe como seu incentivo e generosidade são importantes para mim. Muito obrigada.
    Pensei que não escreveria mais. Consegui mais essa crônica e, com apoio dos amigos queridos, espero continuar expondo minhas reflexões e emoções, e compartilhá-las com os leitores do ótimo Diário do Engenho.
    Beijo com muito afeto e gratidão a você e ao Luiz.

  10. Querida Zilma
    Ao ler sua crônica me emociono, fico enlevada pelas belas reflexões por você colocadas.
    Além do tempo da quaresma,estamos também no Ano Santo da Misericórdia e nele ficaremos até 20 de novembro. Oportunidade para que o nosso coração se encha de alegria, na consideração de que Deus nos ama e está sempre pronto ao perdão. Que vivamos o nosso ideal de servir, na construção de mundo mais justo e mais fraterno, na busca de sermos muito mais irmãos. Que nossa Páscoa seja um feliz renascer, amém !
    Meu abraço e carinho de sempre
    Célia

    1. Célia, querida.
      Sou muito grata por sua leitura e sempre generosa avaliação.
      Suas reflexões valorizaram meu texto e me acrescentaram com a esperança de dias mais justos para a humanidade.
      Deixo com você meu abraço com muito afeto.

  11. Zilma, querida amiga,

    como a Dida, também estava esperando uma nova reflexão sua. E você nos presenteou com um texto ao mesmo tempo muito claro e muito profundo, que nos ajuda a pensar no significado do tempo da Quaresma e na escolha do tem da Campanha da Fraternidade deste ano. Estamos enfrentando tempos difíceis, Zilma, e a esperança vai se perdendo em meio a tanta injustiça, intolerância e desconsideração pelos que sofrem e pela preservação do ambiente. Peço licença para compartilhar sua crônica com meus familiares e amigos, em particular com aqueles que realizam um trabalho social muito importante em suas paróquias. Um grande e saudoso abraço, amiga!

    1. Querida Miriam.
      Feliz com sua leitura e palavras, como sempre, muito gentis.
      Foi difícil escrever ao pensar em tantos problemas que estamos enfrentando.
      Não queria carregar em palavras e sentimentos de muito desalento. Afinal, estamos na quaresma, tempo de renovar , de renascer, de fortalecer a esperança e a fé.
      E que assim seja. Que a compreensão, a tolerância, o bem comum e para todos, a justiça igual para todos, a justiça social, vençam. E que essa consciência esteja com cada ser humano, acima das ambições pessoais.
      Beijo com afeto e saudades.

    1. Obrigada, Helinho e Miriam, pela leitura e pelo incentivo.
      Difíceis tempos os que estamos vivendo. Há que se ter esperança e a fé fortalecida. Sempre.
      E estar sempre bem informados, com posicionamento crítico, sensato e coerente. Assim que penso e sinto.
      Beijo com afeto e gratidão.

  12. Zilma, querida, belo texto, as provocações foram perfeitas e bem colocadas, precisamos sim ter respeito pelos excluídos, tratar todos os assuntos com ética, exercer a tolerância que hoje me parece uma palavra fugiu do dicionário.
    A sua sensibilidade e lucidez foi tudo neste texto, beijos

  13. Querida Rô, obrigada pela leitura.
    Suas observações e avaliação acrescentaram às minhas reflexões e são um incentivo para que continue a compartilhar sentimentos e emoções pelo ótimo Diário do Engenho.
    Beijo com muito afeto.

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